segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Neurônios que reconhecem odores têm forma única de funcionar

Do site: www.mentecerebro.com.br, em 04 de outubro de 2011

Moléculas diferentes ativam as mesmas células responsáveis por processar aromas

© valentina1988/shutterstock

Nos mamíferos, as células do córtex cerebral encarregadas de processar informações sensoriais são frequentemente dispostas segundo um princípio espacial. Neurônios que reagem a estímulos semelhantes – por exemplo, a sons de frequência similar – ficam próximos uns dos outros. Até agora, porém, não se sabia se esse era o caso do processamento olfativo.


Porém, os neurobiólogos Dan Settler e Richard Axel, da Universidade Columbia, em Nova York, descobriram recentemente que diferentes odores ativam determinado grupo de células neurais de cada vez. Estas, no entanto, não estão ordenadas espacialmente como as que recebem informações de outros sentidos: encontram-se espalhadas por todo o córtex.


Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores expuseram camundongos a diversos aromas e examinaram quais neurônios eram ativados de forma mais intensa. Com ajuda da microscopia de dois fótons as células puderam ser localizadas com exatidão. Nesta técnica de fluorescência são utilizadas luzes de ondas longas para estimular pigmentos, o que torna a atividade neuronal visível “ao vivo”.


As imagens revelaram que um aroma ativa de 3% a 15% das células do córtex encarregadas de captar e processar cheiros. Os neurônios aparentemente estão espalhados e reagem de forma pouco específica a cada aroma individualmente: contrariando as expectativas dos pesquisadores, tanto moléculas semelhantes quanto aquelas com estruturas completamente diferentes ativavam o mesmo neurônio. Os resultados foram publicados no periódico Neuron.

domingo, 30 de outubro de 2011

Adolescência é coisa do cérebro e não dos hormônios (2/2)

Da revista Mente & Cérebro - edição 225 - Outubro 2011


É nessa fase que surge a preferência sexual, mas não se trata de uma escolha – o que a pessoa pode decidir é se vai aceitar o próprio desejo ou escondê-lo
por Suzana Herculano-Houzel
[continuação]

O único porém é que as mudanças necessárias no córtex cerebral para lidar de modo adulto com os novos impulsos adolescentes levam cerca de dez anos para acontecer. Atenção, linguagem, memória e raciocínio abstrato são processos até que rapidamente aprimorados, em torno dos 14 anos, e postos à prova com o interesse súbito por política, filosofia e religião. Por outro lado, a capacidade de se colocar no lugar dos outros e de antecipar as consequências dos próprios atos, bases para as boas decisões e para a vida em sociedade, só chega bem mais tarde, por volta dos 18 anos, à força de mudanças no cérebro e de muita experiência. Só o tempo não basta: tornar-se independente e responsável requer aprender a tomar boas decisões, e isso só se aprende... tomando decisões. Se tudo der certo, o resultado desse período de ampla remodelagem guiada pelas experiências do aprendizado social, sexual, cultural e intelectual é o que todo pai e mãe anseiam para seus filhos: que se tornem independentes, responsáveis e bem inseridos socialmente.


Adolescentes, portanto, fazem o que podem com o cérebro que têm – e é bom que seja assim. Nosso dever é ajudá-los oferecendo informações, alternativas, e também o direito de errar de vez em quando. Fico aqui torcendo para continuar pensando assim quando meus filhos virarem adolescentes...

sábado, 29 de outubro de 2011

Adolescência é coisa do cérebro e não dos hormônios (1/2)

Da revista Mente & Cérebro - edição 225 - Outubro 2011

É nessa fase que surge a preferência sexual, mas não se trata de uma escolha – o que a pessoa pode decidir é se vai aceitar o próprio desejo ou escondê-lo
por Suzana Herculano-Houzel

© Gaagen/Shutterstock

Ah, a adolescência. Como se não bastasse ficar desengonçada e ter de aprender no susto a lidar com o corpo crescendo e mudando de proporções rápido demais, eu ainda tinha de ouvir “são os hormônios, depois passa”. Por alguma razão, a frase me irritava profundamente. Minha “vingança” chegou anos depois, pelas mãos da neurociência: hoje se sabe que os hormônios pouco têm a ver com a adolescência. Ela nem mesmo é iniciada por eles – e sim pelo cérebro. E mais: adolescentes nem são crianças grandes, nem adultos donos de um cérebro já pronto e apenas temporariamente inundado, obnubilado por hormônios. Adolescentes são donos de um cérebro adolescente, em franca remodelagem, e justamente daí vêm todas as características da fase.


As transformações da adolescência começam no hipotálamo, que aguarda do corpo um sinal, na forma do hormônio leptina, de que já há gordura suficiente acumulada para iniciar as transformações. Só então o hipotálamo passa a produzir uma substância chamada kisspeptina, que desencadeia uma série de mudanças. Uma das alterações no hipotálamo comanda a produção de hormônios sexuais e o torna sensível a eles, o que permite ao cérebro descobrir o sexo – esta, sim, a verdadeira função desses hormônios. Incidentalmente, é aqui também que o adolescente descobre sua preferência sexual – descobre, não escolhe: qual dos sexos deixa o hipotálamo excitado (agora que ele se tornou excitável) depende de eventos que já aconteceram no cérebro lá no início da gestação. Escolha sexual é apenas o que se decide fazer com a própria preferência sexual: abraçá-la ou escondê-la.



Logo em seguida vêm as alterações no sistema de recompensa, que sofre uma enorme baixa em sua sensibilidade à dopamina e deixa de encontrar graça no que antes dava prazer. O resultado é um conjunto de marcas diagnósticas da adolescência: tédio, perda de interesse pelas brincadeiras da infância, impaciência, preferência por novidades e um gosto por riscos – que o jovem, claro, julga estarem sob seu controle. O conjunto é ótimo, pois nos faz abandonar os prazeres da infância e querer sair de casa em busca de outros horizontes. Senão, quem abriria mão de casa, comida e roupa lavada?

Suzana Herculano-Houzel é neurocientista, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Dados “inúteis” ajudam a entender funcionamento cerebral

Do site: www.mentecerebro.com.br, em 05 de outubro de 2011

Novo método pode aumentar quantidade de informações obtidas por meio de eletroencefalograma

©Andrea Danti /shutterstock

O eletroencefalograma (EEG) é considerado um método pouco sensível para captar a complexidade dos fenômenos elétricos no cérebro, e esta é uma das razões pelas quais foram criadas as técnicas de neuroimageamento. Cerca de 90% dos dados gerados pelo EEG são descartados pelos cientistas, pois com sua irregularidade é difícil extrair qualquer tipo de interpretação. Mas um estudo da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, mostra que há muita informação útil nesses dados desde que sejam avaliados com o método conhecido como análise espectral. Em artigo publicado na revista Neuron, os cientistas apresentaram resultados de EEG de pacientes com epilepsia, revelando novas facetas das descargas elétricas que antecipam as crises. A técnica, usada apenas em condições experimentais, pode levar a novos insights sobre a função e a arquitetura cerebral com base em informações antes descartadas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Somos quem podemos ser?


Estava em meu carro durante o trajeto do escritório para minha casa quando ouvi uma música que dizia: "Somos quem podemos ser, somos quem queremos ser". Logo pensei no tema deste texto. Será que somos mesmo o que queremos ser ou apenas somos quem podemos ser? Vejamos as duas formas.

Somos quem podemos ser: por este prisma, ficaremos limitados às nossas próprias limitações, ou seja, acreditaremos que seremos apenas aquilo que já somos. Sim, porque milhares de pessoas acreditam que fazem tudo o que podem pela própria vida e, se estão vivendo desta forma, é porque já fizeram o possível e agora vivem do jeito que podem.

Na minha opinião, pensar assim é perder tempo, ou melhor, se limitar a provar as belas coisas da vida, experimentar o novo e se arriscar. Alguma vez você já foi sacudido por algum fato ou acontecimento que mudou completamente sua vida? Sem mesmo você querer, tudo se modificou? Daí por diante as coisas deram um giro de 180 graus. Provavelmente, depois dessas intempéries você adquiriu mais experiência.

Somos que queremos ser: este é o X da questão. Todas as leis universais, sejam religiosas ou não, dizem: “Você escolhe, você decide, você é responsável pelos seus atos”. Agora a situação passa a ficar mais clara. Se decidimos nosso destino, podemos afirmar que somos que queremos ser. Somos ilimitados, somos livres, nossos pensamentos estão funcionando 24 horas por dia. Nossas vontades, nossos sentimentos, desejos fisiológicos ou mentais não cessam.

A questão da liberdade é tão maravilhosa que as duas alternativas e formas de pensar que citei estão corretas. Somos quem podemos ser e somos quem queremos ser. Pode parecer estranho, mas é isso mesmo. Se temos liberdade, quer dizer que escolhemos, e se escolhemos, podemos entender que podemos ou não avançar ou ficar parados.

O que quero dizer com isso é que devemos ter a consciência que somos ilimitados até para sermos limitados. Vamos tomar como exemplo um automóvel. Quando você está dirigindo, acelera e ele vai para frente; você freia, ele diminui a velocidade ou para por completo. Em nossa vida é a mesma coisa. A diferença é que o carro não tem vontade própria, precisa de comandos. A vida se resume à nossa mente, que é o comando, e nosso corpo, que é o comandado. Se pensarmos em levantar o braço, imediatamente a mente manda um aviso e o braço se levanta dando tchauzinho para um amigo, por exemplo. Para isso acontecer, tivemos que emitir um comando, mesmo que inconsciente.  Caso contrário, o amigo que ganhou o aceno poderia ficar desapontado, não é?

Nossas crenças também influenciam nossos comandos. Se temos a ideia fixa de que não podemos chegar lá, a mente não dará o comando para seguirmos em frente, então ficaremos parados. Mas se as mesmas crenças dessem o comando de acelerar, claro que avançaríamos e conquistaríamos o desejado.

Percebe como podemos decidir, escolher, provar e testar sem limitações? Vamos à história da abelha. Pela engenharia aeronáutica, se fosse construída uma aeronave baseada no corpo da abelha, essa máquina nunca sairia do chão. Isso porque a abelha tem um corpo muito grande para suas pequenas asas, tornando impossível o ato de voar. Entretanto, quem disse que a abelha não voa? Voa e ainda dá rasantes espetaculares em busca do néctar das flores para produção de mel.

A história da amiga abelha segue dizendo que ela voa pelo simples fato de não conhecer a engenharia, ou seja, ninguém nunca disse: "Dona abelha, a senhora tem asas muito pequenas, seu corpo é roliço e muito pesado, então não poderá voar”. Que nada, a dona abelha não está nem aí, voa e o faz com elegância.

Com os seres humanos a regra é a mesma. Somos racionais e também irracionais quanto às nossas crenças. Se ouvirmos por muito tempo que isso ou aquilo é impossível, tomamos como a mais pura verdade e nos tornamos reféns de uma crença inquebrável. A conclusão? Limitação. Outra frase que gosto se citar é: "Ele não sabia que era impossível; foi lá e fez".

Quero dizer, amigo(a) leitor(a), que sua vida não é limitada ao que você é ou faz agora. Você pode seguir sem limites, fazer, ser, prover, estabelecer, criar e destruir o que quiser e da maneira que quiser. Estamos aqui porque escolhemos e fomos criados à imagem e semelhança do Criador. Isso nos afirma mais uma vez: temos todos os "poderes criativos" da fonte criadora e provedora.

Se você leu esse texto e concordou, ótimo, está certo. Mas se não concordou com nada do que eu disse, está certo também. Afinal, é você que escolhe. Não é?

Autor: Alessandro Baitello

Publicado em: 28/09/2011, no site: www.qualidadebrasil.com.br

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A cura pela palavra (7/7)

Da revista Mente & Cérebro, edição 225 - Outubro 2011


O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra
[continuação]

11. Como acha que esse campo vai evoluir?

Creio que os dispositivos virtuais, como a internet e a comunicação global, vão trazer uma diversidade de experiências, mas também vão radicalizar problemas e posições extremas. Não estou me referindo à "terapia virtual" ou coisas assim, mas à imensa descentralização de consensos, dispositivos normativos "naturalizados" e sistemas de regulação que estão produzindo um conflito entre forças jamais antes postas em franca oposição. A segregação será uma questão central para a subjetividade vindoura. Ainda não há uma reflexão psicanalítica que permita pensá-la em toda sua extensão. A psicanálise é, em certa medida, um sintoma da sociedade de massa, de uma sociedade da mais terrível e benévola experiência do anonimato e da homogenização. O isolamento cultural, a pobreza experiencial, a cristalização de identidades e gêneros são sintomas que tendem a se tornar mais agudos com esta nova forma de homogeneização e diferenciação que é a vida digital. Uma época que caminha para o reconhecimento do antagonismo entre formas de vida terá de se haver com o antagonismo miúdo, cotidiano, este que nós enfrentamos em cada uma das vidas que acompanhamos.


12. Quais são seus projetos para o futuro?

Este livro é uma experiência nova para mim, tanto em sua versão inglesa quanto agora na versão brasileira. O trabalho que levou para ser traduzido e vê-lo publicado em um país distante reteve toda a minha atenção nos últimos três anos. Devo dizer que Karnac é uma espécie de "paraíso", em comparação com as dificuldades de publicar no Brasil, apesar de o mercado editorial estar em crescimento. Quero publicar um livro sobre as patologias do social e organizar minhas diferentes linhas de pesquisa: crítica social, corporeidade e psicossomática, cinema, projetos de intervenção clínica psicanalítica, filosofia da psicanálise, fonoaudiologia e ciências da linguagem. Acho que vou esperar um pouco para ver as reações ao que venho fazendo. Quero, sobretudo, ler meus colegas e seus desenvolvimentos atuais, coisa da qual tive de me afastar um pouco para terminar este livro.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A cura pela palavra (6/7)



Da revista Mente & Cérebro, edição 225 - Outubro 2011


O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra
[continuação]

10. O que acha da psicanálise hoje?

Como psicanalista, minha experiência com analisandos parece cada vez mais ligada às transformações culturais, políticas e sociais pelas quais estamos passando no Brasil. Fiz minha primeira análise em tempos de inflação. Tínhamos de acertar o preço da sessão a cada vez. A psicanálise era uma coisa que pertencia claramente a pessoas e instituições que estavam em sua propriedade soberana. Em 20 anos vi o Brasil se tornar uma potência psicanalítica mundial, talvez de quilate equivalente ao que era a Argentina naquela época. Ela definitivamente se instalou em hospitais gerais e de saúde mental, nos sistemas judiciário e educativo, na mídia, nas artes e nas universidades. A formação psicanalítica, antes considerada muito extensa e elitista, de repente ficou adaptada para uma época cuja ideologia demanda estudo e aperfeiçoamento permanente. O anterior cultivo de saberes sem vocação instrumental acabou atraindo as cabeças que não estavam lá muito fascinadas com uma educação para o mercado. Isso fez com que a psicanálise se disseminasse tanto entre intelectuais quanto entre cidadãos interessados em algo mais do que produção e reprodução. Resultado: tem gente usando a psicanálise para lidar com problemas de aculturação de indígenas na Amazônia; e tem gente usando a psicanálise no terceiro setor e nas empresas. Não digo que isso não seja admirável por si mesmo. Mas é possível que seja altamente problemático. Uma maneira de olhar para essa variedade é pensar que existem verdadeiras formas de psicanálise e outras que seriam cópias deformadas ou “piratas” do que deveriam ser. Ora, me ocorreu que essa é uma forma muito limitada, e no fundo disciplinar de resolver o problema. Vi gente extraindo efeitos psicanalíticos em situações precárias de formação e de exercício. Mas vi gente que tinha tudo para fazer o melhor e...Percebi a importância de pensar essa “biodiversidade” psicanalítica quando fui estudar na Inglaterra e deparei com uma inserção cultural diferente que se replicava em um entedimento clínico igualmente distinto. Lá a psicanálise tem uma posição meio periférica nos circuitos intelectuais e acadêmicos, ligada a grupos de resistência, e é considerada uma coisa “straightfoward” (ou seja, para pessoas sérias com grandes problemas). Quando dizia que meus pacientes frequentavam terreiros de umbanda, iam a cartomantes, tomavam antidepressivos, assim como faziam promessas para casar e bebiam chás naturalistas, o pessoal achava isso muito estranho. Se você acredita na psicanálise você acredita na ciência, então não pode sair do divã para a superstição. E assim analogamente em muitos outros lugares do mundo aos quais fui tendo acesso à cultura psicanalítica. A gente não imagina o que é a psicanálise em Taiwan, na China, na Eslovênia, na Turquia ou na África do Sul. Mas quando você vê que tudo muda na clínica quando está em uma sociedade em apartheid, ou islâmica, ou eslava pós-socialista, ou na boêmia irlandesa, começa a se perguntar o que é fazer psicanálise no Brasil.


Desde essa experiência pelo mundo psicanalítico, pareceu-me que esse tipo de covariância política da nossa prática exigia uma abordagem mais histórica e crítica da própria psicanálise. Menos definições nominais sobre quem você é, com quem você se formou, e mais consideração pelo que você efetivamente faz.
Há dois problemas principais no momento:

(1) A possibilidade de reabsorver as críticas feitas contra a psicanálise, na crítica social, por exemplo, de Adorno, Foucault, Deleuze, Agamben, Zizek, Badiou, para o interior da clínica psicanalítica. Isso seria crucial para transformar a psicanálise e aproximá-la do horizonte "da subjetividade de seu tempo" (como diz Lacan). Isso também significaria reintroduzir procedimentos clínicos no debate ético e filosófico, seja na epistemologia da prática, seja na teoria do sujeito ou nas ciências da linguagem. Hoje o debate com a psiquiatria e com as neurociências ainda está muito filtrado por interesses de mercado e estereótipos defensivos;

(2) É preciso confrontar certas práticas sociais que tendem a neutralizar a experiência psicanalítica seja pela sua redução à psicoterapia, seja pela padronização de sua formação. O financiamento de pesquisas está se burocratizando cada vez mais, a regulamentação estatal ou parasitária incide de tempos em tempos como uma ameaça, os sistemas securitário e trabalhista tentam de toda forma incluir a psicanálise em algum tipo de corporação. Anacronicamente resistimos: não queremos ser uma profissão. Nem queremos nos abrir para qualquer reforma de divisão social do trabalho, ao modo da decomposição de tarefas que vem destruindo a clínica médica. Somos ainda artesãos.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A cura pela palavra (5/7)

Da revista Mente & Cérebro, edição 225 - Outubro 2011


O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra
[continuação]

9. Poderia nos falar um pouco mais de seu trabalho, de sua vocação e experiência profissional?

Eu nasci em 1966. Eu pratico psicanálise no Brasil e ensino na Universidade de São Paulo, no Instituto de Psicologia. Fiz o meu doutorado sobre a incidência do tempo e da linguagem na psicose da criança. Em seguida, estudei filosofia e as ciências da linguagem. Lecionei em inúmeras faculdades de psicologia, publiquei livros e artigos sobre a teoria lacaniana do sujeito e da interpretação, bem como sobre a teoria social e sobre a crítica da cultura. Hoje estou envolvido em duas grandes linhas de investigação: (1) patologia social: críticas da razão diagnóstica (sobre a disseminação do diagnóstico na nossa cultura e da patologização da vida cotidiana) e (2) marcas corporais e afecções da pele (sobre discursos e práticas em torno da modificação do corpo). Eu escrevo regularmente para a revista Mente Cérebro e para o site Carta Maior.

domingo, 23 de outubro de 2011

A cura pela palavra (4/7)

Da revista Mente & Cérebro, edição 225 - Outubro 2011


O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra
[continuação]

7. Quer dizer que leigos podem ler o livro?

Há capítulos dedicados a modelos formais de tratamento na psicanálise. Estes devem ser evitados pelos leigos. Ao lado desses capítulos há narrativas acessíveis – na verdade, a maioria –, alinhadas a uma espécie de romance histórico. É um livro que pode ser lido por qualquer pessoa com interesse em filosofia ou em história da medicina e da psicanálise. Aliás, esta é uma das pretensões do trabalho: mostrar como nós compartilhamos nosso fazer com muitos outros que se ocuparam antes de nós, e o farão depois de nós, com o sofrimento humano. A clínica é uma experiência, no sentido mais forte da palavra. Temos ainda um respeito reverencial pela força disciplinar com relação ao diagnóstico, à semiologia, à etiologia e tudo o mais que se apossou do controle e intervenção legítima sobre o corpo e suas afecções. Esquecemos que mesmo na disciplina mais rígida da epidemiologia e no controle social de práticas higiênicas e profiláticas estão em jogo uma política e uma ética. Nossa atitude básica é de achar que isso tudo é um domínio técnico para especialistas e que o máximo que podemos fazer é nos colocar passivamente diante de tais autoridades constituídas.


8. Você recebeu algum apoio para concluir seu livro?

Sim, tenho tido certo apoio da Universidade de São Paulo, no Brasil, e especialmente "apoio intelectual maciço" de meus amigos da Manchester Metropolitan University, cujas ideias estamos estudando agora no Brasil. Na verdade sempre digo que este é um trabalho que exprime um esforço coletivo. Não teria sido possível sem as dezenas de colegas, amigos e alunos que, sabendo do emprendimento, me alertavam dos riscos e produziam material, dificilmente acessível de outra forma. Nossos alunos do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP, bem como Vladimir Safatle e Nelson da Silva Jr. participaram do projeto desde o início. Meus alunos de graduação e do seminário aberto que ofereço na USP há muitos anos, o pessoal do Fórum do Campo Lacaniano, escola de psicanálise à qual pertenço, alimentaram muito esta aventura. Mas o apoio decisivo foi o que recebi de José Roberto e Eva, na Editora Annablume, que apostaram nessa ideia amalucada de publicar um livro com 655 páginas.

sábado, 22 de outubro de 2011

A cura pela palavra (3/7)

Da revista Mente & Cérebro, edição 225 - Outubro 2011


O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra
[continuação]

5. Você acha que seu livro poderia mudar alguns aspectos da psicanálise?

Sim, eu realmente acho que a psicanálise muitas vezes se esquece de suas origens na medicina, na política, na retórica, no hipnotismo, nos tratamentos morais e assim por diante. Diz-se que isso ficou para trás, atitude que acho bastante suspeita para uma teoria que considera que o que ficou para trás acaba sempre voltando pela frente, e levando-nos a tropeçar. Todas as táticas utilizadas para lidar com o sofrimento por meio das palavras tiveram de ser suprimidas a fim de estabelecer a psicanálise como um tratamento novo e um método autônomo. Como consequência, não podemos distinguir a psicanálise da psicoterapia e de outras técnicas sugestivas, já que ela passou a depender mais de estratégias conceituais, disciplinares e discursivas. Temos de confrontar essa tendência em considerar nossa prática como algo imune às relações de poder ou como uma simples extensão do tratamento médico.


6. Como acha que seu livro vai ajudar os profissionais e outras pessoas?

Há muito discurso psicoterapêutico na política, na religião, na educação e em outras atividades moralizantes. A ideia de que a autoridade para tratar e curar requer faculdades incompreensíveis e habilidades ocultas é muitas vezes empregada para silenciar a crítica e apoiar a atitude obediente em diferentes tratamentos de "saúde" (médicos, nutricionais, psicológicos, de reeducação etc.). Em contraste, a perspectiva psicanalítica de que a clínica é um tipo de risco que o paciente é convidado a assumir, para embarcar na aventura de descobrir coisas sobre si mesmo e sobre a sociedade em que vive, é realmente muito simples e poderosa. O princípio de que a psicanálise, em particular, envolve necessariamente uma espécie de relação de poder é importante: a análise não é a produção de um consenso harmonioso e integrativo sobre si mesmo.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A cura pela palavra (2/7)



Da revista Mente & Cérebro, edição 225 - Outubro 2011


O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra
[continuação]

3. De onde veio a ideia de escrever este livro?

Tudo começou como uma espécie de desafio proposto por Erica Burman e Ian Parker, professores da Manchester Metropolitan University, onde eu estava fazendo meu pós-doutorado em 2000: "Seria possível escrever uma espécie de história das práticas que constituem a psicanálise", da mesma forma que Hegel esceveu a Fenomenologia do espírito, mas que seja conectada às relações de poder e às estruturas de práticas sociais? No início minha ideia foi escrever uma espécie de romance filosófico da psicanálise. Quando fui escrever minha livre-docência, em 2006, lembrei-me desse devaneio e resolvi colocá-lo em prática. Originalmente o trabalho tinha menos da metade de seu tamanho de hoje. Na verdade, era um esboço baseado em uma espécie de síntese de minha produção teórica até aquele momento, como se espera de uma tese de livre-docência. Depois disso me envolvi com a extensa e problemática experiência linguística intelectual de traduzir um livro para o inglês, que foi publicado pela Karnac Boooks em 2010. Lacan já é difícil em francês, imagine depois de um estágio na língua portuguesa e uma deriva para inglês? Não fosse meu amigo Terrence Hil, jamais teria conseguido. Há termos cruciais que simplesmente não têm equivalente estável em inglês. Isso envolve noções simples e centrais para o livro, como saber, sujeito e cura. Enquanto traduzia o livro para o inglês, seus problemas começavam a ficar mais claros, o que me levou a uma nova versão, recentemente publicada pela Editora Annablume.


4. Quais foram as suas motivações e sentimentos ao escrevê-lo?

Foi um projeto estranho, mas muito divertido, porque há muitas concepções filosóficas envolvidas na psicanálise, particularmente na psicanálise lacaniana. Por isso é tão interessante organizar todo o material cronologicamente e alterar a perspectiva a partir de conceitos e ideias práticas e estratégias empíricas, para lidar com o sofrimento humano, com o mal-estar e com as expressões sintomáticas. Tive de deixar de lado inúmeras fontes e comentadores. Em troca pude, em cada capítulo, trazer uma espécie de pequeno conto que ilumina o problema, ao modo de uma figura. Sempre achei que a clínica é uma espécie de crítica social feita por outros meios. Nossa formação uspiana enfatiza muito esta dupla exigência: clínica e crítica. Mas as histórias que tínhamos para articular as duas perspectivas eram, em sua maioria, relatos hagiográficos, autocomplacentes e ideológicos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A cura pela palavra (1/7)

Da revista Mente & Cérebro, Edição 225 - Outubro 2011

O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra



1. O que levou o senhor a escrever este livro?

No Brasil, os cursos de psicologia nas universidades incluem experiência prática e a necessidade de lidar com pacientes em contextos inspirados pela clínica psicanalítica. Como professor do instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), eu tenho de lidar com estudantes que são obrigados a atender pacientes pela primeira vez. Frequentemente, como bons alunos, eles procuram saber sobre a história da prática que vão começar. A única resposta que tinha para dar dizia respeito à história da própria psicanálise, não à história das habilidades específicas que você deve ter para enfrentar as questões de tratamento, cura e terapia como uma experiência clínica. Dessa forma, o livro resulta de uma "demanda prática", a que eu pretendi responder de forma organizada e crítica, não simplesmente em termos de um repertório de saberes ou disposições de ação, mas como práticas inseridas em uma lógica histórica, mesmo que não linear.


2. Resumidamente, de que fala o livro?

Situo a psicanálise como uma prática por meio de uma espécie de arqueologia de contextos e experiências sociais que dão origem ao tratamento psicanalítico, desde a função terapêutica das narrativas e epopeias, no universo greco-romano e judaico-cristão, até o século 21. Em cada capítulo, examino uma "prática" analisada como um "processo histórico", às voltas com sua inscrição em contradições sociais cujas características representam uma problemática específica, tais como: xamanismo, mitologia, retórica e terapias de compromisso narrativo, a medicina da alma (Platão, Empédocles, Hipócrates), a encenação das tragédias gregas, o cuidado de si helênico e a arte da escrita como uma cura da alma (no trabalho, por exemplo, de Montaigne). Mesmo em nossa modernidade, autores como Descartes, Kant e Hegel são examinados em relação à prática que inspiram (método, a meditação, a regulamentação da alma, a experiência da loucura, hipnotismo e auto-historicização). A importância de trabalhar com essas referências é que elas permitem tornar visível como fazemos coisas diferentes quando praticamos a psicanálise, o que ajuda a explicar sua diversidade bem como parte de suas tensões éticas, políticas, epistêmicas e metodológicas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A coisa mais importante do mundo

  
Por Naomi Klein 

A intelectual e ativista canadense fez um discurso histórico à Assembleia Geral do movimento Ocupar Wall Street. 

Eu amo vocês.

E eu não digo isso só para que centenas de pessoas gritem de volta “eu também te amo”, apesar de que isso é, obviamente, um bônus do microfone humano. Diga aos outros o que você gostaria que eles dissessem a você, só que bem mais alto.

Ontem, um dos oradores na manifestação dos trabalhadores disse: “Nós nos encontramos uns aos outros”. Esse sentimento captura a beleza do que está sendo criado aqui. Um espaço aberto (e uma ideia tão grande que não pode ser contida por espaço nenhum) para que todas as pessoas que querem um mundo melhor se encontrem umas às outras. Sentimos muita gratidão.
Se há uma coisa que sei, é que o 1% adora uma crise. Quando as pessoas estão desesperadas e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a educação e a seguridade social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise econômica, isso está acontecendo no mundo todo.
Só existe uma coisa que pode bloquear essa tática e, felizmente, é algo bastante grande: os 99%. Esses 99% estão tomando as ruas, de Madison a Madri, para dizer: “Não. Nós não vamos pagar pela sua crise”.
Esse slogan começou na Itália em 2008. Ricocheteou para Grécia, França, Irlanda e finalmente chegou a esta milha quadrada onde a crise começou.

“Por que eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”.

Muitos já estabeleceram paralelos entre o Ocupar Wall Street e os assim chamados protestos anti-globalização que conquistaram a atenção do mundo em Seattle, em 1999. Foi a última vez que um movimento descentralizado, global e juvenil fez mira direta no poder das corporações. Tenho orgulho de ter sido parte do que chamamos “o movimento dos movimentos”.

Mas também há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.
O Ocupar Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.
Ser horizontal e democrático é maravilhoso. Mas esses princípios são compatíveis com o trabalho duro de construir e instituições que sejam sólidas o suficiente para aguentar as tempestades que virão. Tenho muita fé que isso acontecerá.
Há outra coisa que este movimento está fazendo certo. Vocês se comprometeram com a não-violência. Vocês se recusaram a entregar à mídia as imagens de vitrines quebradas e brigas de rua que ela, mídia, tão desesperadamente deseja. E essa tremenda disciplina significou, uma e outra vez, que a história foi a brutalidade desgraçada e gratuita da polícia, da qual vimos mais exemplos na noite passada. Enquanto isso, o apoio a este movimento só cresce. Mais sabedoria.
Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.
Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.

Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.

A questão é que hoje todos são capazes de ver que o sistema é profundamente injusto e está cada vez mais fora de controle. A cobiça sem limites detona a economia global. E está detonando o mundo natural também. Estamos sobrepescando nos nossos oceanos, poluindo nossas águas com fraturas hidráulicas e perfuração profunda, adotando as formas mais sujas de energia do planeta, como as areias betuminosas de Alberta. A atmosfera não dá conta de absorver a quantidade de carbono que lançamos nela, o que cria um aquecimento perigoso. A nova normalidade são os desastres em série: econômicos e ecológicos.

Estes são os fatos da realidade. Eles são tão nítidos, tão óbvios, que é muito mais fácil conectar-se com o público agora do que era em 1999, e daí construir o movimento rapidamente.
Sabemos, ou pelo menos pressentimos, que o mundo está de cabeça para baixo: nós nos comportamos como se o finito – os combustíveis fósseis e o espaço atmosférico que absorve suas emissões – não tivesse fim. E nos comportamos como se existissem limites inamovíveis e estritos para o que é, na realidade, abundante – os recursos financeiros para construir o tipo de sociedade de que precisamos.
A tarefa de nosso tempo é dar a volta nesse parafuso: apresentar o desafio à falsa tese da escassez. Insistir que temos como construir uma sociedade decente, inclusiva – e ao mesmo tempo respeitar os limites do que a Terra consegue aguentar.
A mudança climática significa que temos um prazo para fazer isso. Desta vez nosso movimento não pode se distrair, se dividir, se queimar ou ser levado pelos acontecimentos. Desta vez temos que dar certo. E não estou falando de regular os bancos e taxar os ricos, embora isso seja importante.
Estou falando de mudar os valores que governam nossa sociedade. Essa mudança é difícil de encaixar numa única reivindicação digerível para a mídia, e é difícil descobrir como realizá-la. Mas ela não é menos urgente por ser difícil.
É isso o que vejo acontecendo nesta praça. Na forma em que vocês se alimentam uns aos outros, se aquecem uns aos outros, compartilham informação livremente e fornecem assistência médica, aulas de meditação e treinamento na militância. O meu cartaz favorito aqui é o que diz “eu me importo com você”. Numa cultura que treina as pessoas para que evitem o olhar das outras, para dizer “deixe que morram”, esse cartaz é uma afirmação profundamente radical.
Algumas ideias finais. Nesta grande luta, eis aqui algumas coisas que não importam:

Nossas roupas.

Se apertamos as mãos ou fazemos sinais de paz.

Se podemos encaixar nossos sonhos de um mundo melhor numa manchete da mídia.

E eis aqui algumas coisas que, sim, importam:

Nossa coragem.

Nossa bússola moral.

Como tratamos uns aos outros.

Estamos encarando uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta. Isso é assustador. E na medida em que este movimento crescer, de força em força, ficará mais assustador. Estejam sempre conscientes de que haverá a tentação de adotar alvos menores – como, digamos, a pessoa sentada ao seu lado nesta reunião. Afinal de contas, essa será uma batalha mais fácil de ser vencida.

Não cedam a essa tentação. Não estou dizendo que vocês não devam apontar quando o outro fizer algo errado. Mas, desta vez, vamos nos tratar uns aos outros como pessoas que planejam trabalhar lado a lado durante muitos anos. Porque a tarefa que se apresenta para nós exige nada menos que isso.

Tratemos este momento lindo como a coisa mais importante do mundo. Porque ele é. De verdade, ele é. Mesmo.


Fonte: Revista Forum

Recebido de Vicente Adorno, por e-mail

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Contadores de histórias ajudam no tratamento de adultos com câncer



 
Do site: www.mentecerebro.com.br, em 04 de outubro de 2011

Temas como amor, amizade e relações familiares incentivam os ouvintes a compartilhar experiências
 
©lian_2011/shutterstock

Uma garotinha melancólica e solitária descobre, em seu quarto sombrio, um minúsculo broto. A mudinha se transforma, repentinamente, em um pomar surrealista, que a transporta para um mundo de possibilidades e encontros. Repleto de metáforas, A árvore vermelha, do escritor australiano Shaun Tan, é um dos livros que inspiram o contador de histórias Marcelo Cândido no trabalho que leva apoio psicológico para pacientes e acompanhantes nas salas de espera do Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp). Duas vezes por semana, funcionários do Serviço de Hotelaria e Hospitalidade da instituição contam histórias antes do atendimento feito pelos psicólogos.


Segundo Cândido, que trabalha como concierge no hospital, a intenção é facilitar a abordagem da equipe de psicologia: as narrativas são criadas pelo próprio grupo e tratam de temas como amizade, relações familiares e amor. Os contos são escolhidos pelo profissional, com o objetivo de incentivar os ouvintes a comentar a história e a compartilhar as próprias experiências. “Muitos se identificam com o conteúdo dos contos, se descontraem e ficam mais à vontade para falar sobre o câncer e o tratamento”, diz. São baseados em obras como A flor do lado de lá, de Roger Mello, ou A moça tecelã, de Marina Colasanti. Cada apresentação é acompanhada pelo ritmo de um tambor, simulando batidas do coração, o que confere emoção à narrativa. “É uma forma de acolhermos o paciente e de mostrar que nos preocupamos com ele”, diz a gerente do setor de hospitalidade do instituto, Vânia Pereira.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

As galáxias sinápticas de Mariko Mori 2/2)

Do site: www.mentecerebro.com.br, em 03 de outubro de 2011


Mostra em São Paulo reúne principais obras da artista japonesa; instalação que simula nave espacial projeta impulsos neurais dos visitantes

Daniele Queiroz
Wave Ufo (1999-2002): escultura de 6 toneladas traduz emoções e pensamentos dos observadores em desenhos e cores
[continuação]

Outras obras mesclam tecnologia de ponta e princípios budistas, marcando uma fase mais recente de Mariko, na qual é o observador que passa a desempenhar o ato performático dentro de estruturas criadas para interagir com o corpo e com a mente e assim criar “novas realidades” a cada contato, como na já citada Wave Ufo e em Oneness, que dá nome à mostra – o espectador é convidado a tocar e a abraçar simpáticos alienígenas feitos de technogel (textura moderna cuja consistência parece líquida). As estátuas respondem aos estímulos com batimentos cardíacos simulados, que variam de intensidade de acordo com o toque. Segundo o curador da exposição, Nicola Goretti, Mariko aborda a tecnologia como instrumento de unificação, como ferramenta que inaugura variadas formas de expressar emoções. A visitação é gratuita, porém é preciso retirar senha de espera para entrar na instalação Wave Ufo.
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Oneness. Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Rua Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo. Grátis. De terça a domingo, das 9h às 21h. Informações: (11) 3113-3651. Até 16 de outubro.

domingo, 16 de outubro de 2011

As galáxias sinápticas de Mariko Mori (1/2)



Do site: www.mentecerebro.com.br, em 03 de outubro de 2011

Mostra em São Paulo reúne principais obras da artista japonesa; instalação que simula nave espacial projeta impulsos neurais dos visitantes

Mariko Mori, Empty Dream (1995)/ Reprodução

Tente imaginar uma escultura de 6 toneladas, que muda a cada segundo, de acordo com as ondas cerebrais de seus observadores. A instalação interativa Wave Ufo é uma imensa nave espacial que ocupa grande parte da sala de exposições do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em São Paulo. Concebida pela artista plástica japonesa Mariko Mori, a obra convida os visitantes a viajar por suas próprias galáxias de sinapses: com a cabeça acomodada em um travesseiro com eletrodos, é possível ver emoções e pensamentos traduzidos em diversos formatos e cores, projetados no casco interno da nave, como a cúpula de um planetário. A estrutura é uma das dez obras da mostra Oneness, que reúne as principais produções da artista, em cartaz até 16 de outubro.


Ex-modelo fotográfico, Mariko inspirou-se em texturas e estética apreendidas em sua experiência no mundo da moda para criar cenas impossíveis. O imenso painel Empty dream (1995) é uma fotografia da praia artificial de Miyazaki Ocean Dome, no Japão. Em um ambiente no qual luz e ondas do mar são simulações do real possibilitadas pela tecnologia, nada mais natural que modernas sereias apareçam camufladas na imagem (são quatro ao todo), dividindo a areia ou a água com os banhistas. Os seres imaginários do “sonho vazio'', como Mariko chamou a obra, têm o rosto da própria artista, quando jovem. Sua imagem também aparece em outras produções. Ela se retrata convertida em alienígena, mulher cibernética e personagem de mangá, assumindo novas identidades femininas e expressando vários desejos performáticos, como nos vídeos Miko no inori e Kumano.

sábado, 15 de outubro de 2011

As bactérias que provocam ansiedade e depressão



Do site: www.mentecerebro.com.br, 03 de outubro de 2011

Alterações na flora intestinal de roedores levam a mudanças neurais capazes de transformar comportamento

©Juan Gaertner/Shutterstock

Pesquisadores da Universidade McMaster, no Canadá, conseguiram demonstrar a influência das bactérias intestinais na química cerebral e, consequentemente, no comportamento. Já era conhecido o fato de que todos nós hospedamos no intestino bilhões de microrganismos – e convivemos em harmonia com a maioria deles, já que vários nos protegem de infecções e fornecem nutrientes para as células. Mas fazem bem mais que isso.


No estudo publicado no periódico científico Gastroenterology, pesquisadores avaliaram o efeito da destruição da flora bacteriana intestinal de ratos adultos por meio da administração de antibióticos e observaram significativas mudanças no comportamento de animais adultos: os roedores ficaram mais ansiosos e menos cuidadosos. A transformação foi acompanhada por aumento do fator neurotrófico derivado do cérebro, associado à depressão e à ansiedade. Com a interrupção dos antibióticos obtinha-se o restabelecimento da flora intestinal e da química cerebral – e os ratos voltavam a apresentar comportamento normal.


Em outro momento da investigação, os cientistas inocularam bactérias provenientes do organismo de um animal de temperamento enérgico no intestino de outro roedor de comportamento pouco ousado. Curiosamente, constataram que o rato “tranquilo” passava a se comportar de maneira mais ativa.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Vale a pena viver sem estresse?

Do site: www.mentecerebro.com.br, 03 de outubro de 2011

O outro lado: ter uma rotina agitada e com fortes emoções pode ser benéfico para a saúde mental
 
©olly/shutterstock

Estresse em excesso faz mal – parece que ninguém duvida. Mas seria possível – ou conveniente – viver sem ele? Seria possível considerar, por exemplo, que entre as causas do definhamento das pessoas mais idosas está a falta de novidades e de solicitações externas? A hipótese foi proposta pelo pesquisador Enrico Alleva, etólogo do Instituto Superior de Saúde, na Itália, onde estuda os mecanismos biológicos que estão na origem dos comportamentos animais.


“Há uma fase ontológica na vida da espécie e uma na do indivíduo em que se estabelece o nível de estresse que dele se espera, certo número de solicitações de que terá necessidade durante toda a vida. O sistema nervoso dos animais superiores é plástico e sujeito a modificações. Em alguns períodos do desenvolvimento há, porém, uma maior ou menor sensibilidade a essas mudanças. É estimulada então a produção de hormônios – por exemplo, a oxitocina ou o hormônio do crescimento – e são esses que marcam o cérebro e dão forma aos circuitos de reações aos estímulos que orientarão o comportamento do adulto.”


Todo indivíduo nasce com um “nível de estresse” esperado, e a sua falta é percebida de forma negativa. Um adolescente que cresceu em um ambiente estimulante, rico de acontecimentos e emoções, tenderá a procurar essa mesma vivacidade quando adulto. A vida social, em particular, está associada às relações com a mãe e com o grupo primário; o adulto carregará a “marca” dessas relações até a velhice.
“Essa é a razão pela qual o estresse é fator importante para a qualidade de vida dos idosos”, explica Alleva. “A pessoa que vive sob certo nível de estresse ligado à presença de outras pessoas na casa, a atividades profissionais ou a uma vida social intensa sofre uma espécie de involução quando fica sozinha e sem obrigações.”


O médico Hans Selye foi o primeiro a usar, em 1936, a palavra “estresse” para indicar a “síndrome produzida por vários fatores nocivos”, em trabalho publicado na revista Nature. Poucos anos antes, entre 1910 e 1920, Walter Cannon havia introduzido o termo em fisiologia, transportando-o do jargão da engenharia. Stress, em inglês, significa “esforço, tensão” e era usado principalmente por engenheiros para indicar a capacidade de resistência de uma ponte. Essa imagem se adaptava bem ao significado de estresse como resposta a mudanças: passagem de um ponto a outro, como através de um caminho mais ou menos resistente.


Não é de espantar, portanto, que os ingleses já usassem o termo no século 14. Mas a origem da palavra começa muito antes, no latim. No jargão popular, districtia significava aperto, angústia ou aflição. Os franceses a transformaram em destress (também usado como sinônimo de angústia) e os italianos receberam de volta o neologismo que tem suas raízes no verbo strizzare. Na linguagem comum é sinônimo de cansaço, fadiga, ansiedade e preocupação, significados que acabam por trocar a causa pelo efeito. Esse equívoco não é raro em medicina. O mesmo ocorreu, por exemplo, com o termo colesterol, entendido como algo nocivo e sintoma de doença, antes de ser reconhecido como um dos componentes indispensáveis das células e do metabolismo. O fato é que sem colesterol, assim como sem nenhum tipo estresse, certamente nenhum de nós estaria aqui.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Expectativas interferem no efeito de remédios


Do site: www.mentecerebro.com.br,  em 30 de setembro de 2011

Ativação de áreas cerebrais responsáveis pela dor é maior se o paciente não acredita no tratamento; o oposto ocorre ao ser administrado placebo

©jordache/shutterstock

Uma atitude otimista pode fazer mais do que ajudar uma pessoa a começar bem o dia – é capaz de melhorar suas condições de saúde. Uma pesquisa coordenada pela neurocientista cognitiva Irene Tracey, da Universidade de Oxford, mostrou que tanto os pensamentos radiantes como os céticos influem na forma como as drogas são assimiladas pelo organismo.


No estudo publicado na Science Translational Medicine, 22 voluntários saudáveis foram submetidos a exames de imagem por ressonância magnética funcional (fMRI) enquanto um dispositivo lhes aquecia a panturrilha direita até um nível desconfortável. Como era esperado, regiões do cérebro associadas à percepção da dor foram ativadas.


Em seguida, os participantes receberam na veia doses de remifentanil, analgésico de ação rápida, enquanto se submetiam ao mesmo aquecimento na perna. Porém, os pesquisadores os enganaram em relação à administração do analgésico. De início, os voluntários não sabiam que o tratamento tinha começado, por isso não pensaram que a dor fosse diminuir. Dez minutos depois foram informados de que a droga estava sendo administrada – e por isso pensaram que o desconforto deveria diminuir. Na sequência, os aplicadores do teste lhes disseram que tinham parado de administrar o medicamento, e os voluntários foram induzidos a acreditar que sua perna começaria a doer mais.


Após a experiência, os participantes relataram que a dor que sentiam era muito menos intensa e desagradável quando acreditavam estar recebendo o analgésico do que quando pensavam não estar, mesmo que a administração da droga não tivesse sido interrompida. Na verdade, quando eles esperaram que a dor aumentasse porque pensavam que o medicamento tinha sido suspenso, essa percepção eliminava qualquer benefício do analgésico – o desconforto era o mesmo do primeiro ensaio sem administração de analgésico. Além disso, as áreas cerebrais responsáveis pela captação de sensações dolorosas permaneciam mais ativas quando eles esperavam pelo pior, imitando a atividade cerebral durante a aplicação inicial do calor. “Os efeitos do pessimismo são provavelmente mais pronunciados em pacientes que vivenciaram anos de frustração com medicamentos ineficazes”, observa Irene. “Por isso, os profissionais da saúde não devem subestimar a influência das expectativas negativas dos pacientes, e estes também devem estar atentos, para que as baixas expectativas não agravem o sofrimento.”

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O bom cafezinho



Do site: www.mentecerebro.com.br, em 30 de setembro de 2011

Componentes da bebida agem no tronco encefálico, modificam a atividade neural de áreas corticais e talvez ajudem a evitar Parkinson

©Subbotina Anna /Shutterstock

Os efeitos da bebida mais consumida do planeta sobre a capacidade de concentração são conhecidos, na prática, por estudante e profissionais. A cafeína, o principal componente do café, age na área do tronco encefálico e promove alterações no estado de alerta, orientação espacial, tempo de reação e agilidade de locomoção, combaten3do temporariamente a fadiga e a sonolência. Os efeitos cognitivos, porém, dependem da dose ingerida e do tipo de tarefa estudada. Sabe-se que a atenção pode modificar a atividade neural de áreas corticais específicas que participam dos processos perceptivos. Isso significa que a ampliação da atenção é capaz de aumentar a resposta dos neurônios a determinados estímulos – as respostas tendem a ser mais rápidas e precisas. Em relação à memória, porém, não há dados conclusivos sobre os efeitos do café. A molécula psicoativa responsável por esse efeito é a metilxantina, da família dos alcaloides, usada em inúmeros medicamentos desde analgésicos até drogas para o tratamento da asma. Diversos estudos, entre eles os do farmacologista Alberto Ascherio, da Universidade Harvard, sugerem que o consumo regular pode reduzir também o risco de Parkinson. De fato, levantamentos epidemiológicos verificaram que a maior ingestão de café ao longo da vida está associada a menor incidência da patologia. Nos últimos anos, vem crescendo o interesse em estudos sobre as possibilidades de a cafeína proteger contra o Alzheimer.