Informações distorcidas pela mídia alimentam o pânico moral a respeito de temas polêmicos, como a maconha
Gonçalo Viana |
Há cerca de 30 anos, surgiu um temor novo que ceifou milhões de vidas e instalou pânico moral na sociedade, conspurcando a beleza do sexo com a fobia de uma contaminação fatal. É o vírus HIV, capaz de deflagrar a pane imunológica que chamamos de aids. Estima-se que existam no planeta mais de 33 milhões de portadores de HIV, chegando a 25% dos cidadãos de certos países africanos. Na ausência de cura, grande esforço foi feito para informar a população mundial sobre os modos de prevenir a infecção. Também houve avanço no desenvolvimento de drogas antivirais capazes de estancar o curso da doença. Infelizmente tais drogas podem causar sérios efeitos colaterais, precisam ser tomadas ininterruptamente por toda a vida, e apresentam custo proibitivo para a maior parte dos pacientes.
Por essa razão, causa muita esperança e orgulho a descoberta de que anticorpos monoclonais podem ser usados para debelar o HIV. Realizado pelo grupo do brasileiro Michel Nussenzweig na Universidade Rockefeller (EUA), o estudo publicado na revista Nature aponta o caminho para uma terapia de aids mais segura, barata e duradoura. Permite também vislumbrar o dia histórico em que será anunciada uma vacina anti-HIV.
Medo e desesperança, por outro lado, emanam do artigo de capa da revista Veja de 26 de outubro. Alegando refletir as mais recentes descobertas científicas sobre a maconha, o artigo esforça-se por insuflar ao máximo o receio em relação à planta. Cita seletivamente a bibliografia especializada, simplifica e omite resultados, distorce e exagera sem constrangimentos para afinal concluir, nas palavras do psiquiatra Valentim Gentil, que “se fosse para escolher uma única droga a ser banida, seria a maconha”.
Em tempos de crack na esquina e cachaça a 3 reais o litro, não é preciso ser médico para perceber o equívoco da afirmação. O destaque dado à matéria contrasta com seu parco embasamento empírico, que ignora fartas evidências sobre o uso medicinal da maconha, a segurança de seu consumo não abusivo, a existência de alternativas não tabagistas e as consequências nefastas do proibicionismo. O bom nome da ciência não pode ser usado ideologicamente para propagar preconceitos e fomentar pânico moral. A ciência deve sempre ser usada em prol do gênero humano, para arrefecer seus medos e não suscitá-los.
Do site: www.mentecerebro.com.br
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