“O que quer que você seja capaz de fazer, ou imagina ser capaz, comece.
Ousadia contém gênio, poder e magia.”
(Goethe)
A
cada minuto de nossas vidas estamos sempre assumindo dois papéis: o de
professor e o de aluno. Dependendo do momento, do tema e do
interlocutor, colocamos um ou outro véu. E num diálogo realmente
edificante, chegamos mesmo a utilizar ambos.
Porém,
em regra, somos maus professores. Maus porque pregamos a mediocridade,
inibimos a audácia, coibimos o risco, desestimulamos a galhardia. Ser
medíocre é ser comum, mediano, modesto, despretensioso. Ser medíocre é
estar seguro, ainda que não se esteja bem. Ser medíocre é fruto natural
de nossa cultura ibérica e de nossa tradição católica.
Empregados sem empregos
Nossas
escolas de ensino fundamental privilegiam uma alfabetização metódica,
padronizada, enquadrando as crianças num plano bidimensional. São ao
menos nove anos de estudos sem incentivo à criatividade e à ousadia.
Depois, quem pode gasta uma soma considerável com um terapeuta ou em um
curso de especialização para instruir seu filho a traçar linhas curvas e
não apenas retas, a misturar cores quentes e frias, a experimentar
outras formas geométricas, a unir nove pontos alinhados três a três com
apenas quatro retas.
O
ensino médio, por sua vez, produz exércitos dotados de baionetas com as
quais assinalarão “x” dentre cinco alternativas possíveis para, aí sim,
ingressando no chamado ensino superior, compor uma legião de empregados
para um mundo sem empregos. A própria estrutura de ensino promove a
subserviência, seja por intermédio do método expositivo de aulas, seja
através do respeito incólume às hierarquias, seja por meio dos trabalhos
de conclusão ou estágios supervisionados, sempre focalizados em grandes
empresas e com conteúdo discutível.
Nosso
modelo de ensino não instiga o pensar. História é para ser decorada, e
não entendida. Matemática é para se aprender por tentativa e erro, e não
por tentativa e acerto. Português tem muitas regras, não se sabe para quê, não é mano?
Abolimos
as aulas de Educação Moral e Cívica porque remetiam à lembrança dos
tempos da ditadura, em vez de modernizarmos seu programa. O resultado é
que hoje não se sabe mais cantar o Hino Nacional, o qual só é ouvido em
jogos de futebol ou quando somos agraciados com alguma façanha em um
evento esportivo. Foi-se embora o culto ao patriotismo e o amor ao
verde-amarelo. Foi-se também a oportunidade de se ministrar um pouco de
ética e de responsabilidade social.
Mediocridade ensinada
Nossa
mediocridade ensinada acaba permeada em nossas vidas sem que nos
apercebamos disso. Nossas empresas tornam-se medíocres porque não têm o
gene do empreendedorismo, em especial o empreendedorismo de
oportunidade, aquele que gera valor, que produz riqueza, que semeia
empregos qualificados e de forma sustentada. Falta-nos a ousadia para
adotar novas práticas, da remuneração variável ao horário flexível, da
gestão compartilhada à participação nos resultados.
Nossa
mediocridade ensinada congela nossos ímpetos corporativos, impedem-nos
de investir em nossas próprias ideias, de acreditar em nossos mais
castos ou ambiciosos sonhos. O risco, palavra derivada do italiano
antigo risicare e que significa nada menos do que “ousar”, deixa de ser uma opção, deixa de ser um destino.
Nossa
mediocridade ensinada se mostra presente em nossas vidas pessoais,
exacerbando nossa timidez, trazendo consigo a hesitação por uma palavra,
por um beijo, por uma conquista mútua. Tempera relações sem usar sal ou
pimenta, adota a monotonia e culpa a rotina. Observe como nunca somos
medíocres no início de um namoro, da troca de olhares ao flerte, do
perfume das flores ao sabor dos bombons. Tudo isso até o primeiro beijo,
o único de fato verdadeiro, pois dele deriva muitos outros até os
finalmente protocolares, como a nota cinco necessária para se passar de
ano.
Pílula azul ou vermelha?
Vivemos
em uma nação na qual, mesmo após mais de meio século, a terra ainda
devolve com fartura tudo o que nela se planta. Não somos vitimados por
catástrofes naturais. Somos dotados de grande simpatia e predisposição
ao trabalho. Então, por que sermos medíocres?
O
que nos impede de reproduzir em larga escala a criatividade de nossa
publicidade, a inteligência de nosso design, a beleza de nossa moda, a
eficiência de nossa agroindústria da soja, a ousadia de milhões de
pessoas que teimam em se manter vivas com um punhado de reais ao longo
de todo um mês?
Ou
a vida é uma aventura ousada, ou não é nada. Do contrário, não vivemos,
apenas vegetamos. À luz de um ícone criado no filme “Matrix”, podemos
tomar a pílula azul, esquecer tudo isso, e tratar o ensino com objetivo
exclusivo de satisfazer estatísticas, empenhados em reduzir índices de
evasão e elevar taxas de escolaridade. Mas podemos optar pela pílula
vermelha, e incentivar a escola democrática, substituir a forma
desinteressante e desatrelada da realidade de educar pelo estímulo à
curiosidade, encorajando o aprendizado ao invés do ensino porque ousadia
é uma forma de ser e não de saber.
Recebido do autor, por e-mail
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