“Combater a si próprio é a mais dura das guerras,
vencer a si próprio é a mais bela das vitórias.”
(Friedrich von Logau)
Desde pequeno acostumei-me com a guerra.
Primeiro
foi uma guerra para sair do conforto do ventre de minha mãe, onde eu
tinha alimento e segurança, num dia que chamaram de parto e depois deram
o nome, talvez só para me tapear, de aniversário.
Depois veio uma guerra particular bem interessante que consistia em ficar em pé e aprender a andar.
Lá
pelos quatro anos de idade fui apresentado a um verdadeiro arsenal de
guerra, formado por bisnagas de plástico, confetes e serpentinas,
durante uma festa que atendia pelo nome de Carnaval. Eram guerras bem
animadas!
Anos
depois, viriam as guerras que guardo com mais carinho na memória. A
guerra de almofadas que começava na sala e terminava como guerra de
travesseiros no quarto. Foi uma época de desenvolvimento de táticas de
guerrilha. Eu me entrincheirava atrás do sofá e espalhava sapatos e
chinelos-mina pela sala e corredores.
Trocar
a TV, o videogame e as brincadeiras com os colegas pelas tarefas
escolares eram uma guerra e tanto. O mesmo para arrumar o quarto, tomar
banho e ir dormir cedo.
Então
veio uma série de outras guerras. Guerra para ser aceito pelo time de
basquete do clube, mesmo sendo baixinho. Guerra para tirar boas notas e
se destacar na escola. Guerra para entender as transformações que os
hormônios provocavam no corpo. Guerra para criar coragem e convidar
aquela garotinha para sair...
Mais
alguns anos e as guerras foram tomando conotação mais séria. Guerra
para passar no vestibular. Guerra para obter o diploma. Guerra para
conseguir um emprego e, estando nele, aprender a aceitar a hierarquia,
os conchavos nos corredores, as conspirações no hall do café, as
armadilhas no elevador. Guerras corporativas engendradas por coronéis
sem patente, travadas por soldados muitas vezes lançados a campo sem
treinamento e provisões. Guerra contra a concorrência, sem interesse na
diplomacia. Guerra contra a ineficiência, sem previsão de armistício.
Guerra pelo consumidor, por sua preferência e fidelidade.
E,
nesta toada, guerra para encontrar uma alma gêmea. Guerra para
seduzi-la a casar-se e, depois, a separar-se. Guerra pela custódia dos
filhos. Guerra para montar uma empresa, pagar salários, pagar impostos –
e, de repente, ter que fechar a empresa. Guerra contra os juros do
cheque especial.
Lendo
os jornais observo o desenrolar de outros tipos de guerra. Guerra pela
demarcação geográfica, guerra pelo petróleo, guerra pela autoridade. E,
talvez, a pior de todas: a guerra em nome de Deus, a que chamaram de
guerra santa, apenas para envolver de corpo e alma milhões de inocentes,
jovens ou maduros, mas que na verdade atende aos mesmos preceitos de
terra, dinheiro e poder de todas as guerras convencionais.
Hoje,
já adulto, dei-me por conta de como nossas guerras vão perdendo
significado real na medida em que nossas pernas crescem. As guerras
migram do prazer para a ignorância, da pureza para a intolerância.
Bilhões gastos para matar mais gente, quando poderiam amenizar a dor e o
sofrimento, a fome e a miséria, de milhões espalhados pelo mundo. Muito
dinheiro investido em produtos que não são desejados, em tecnologias
que não serão usadas, em treinamentos que não proporcionam aprendizado,
em confraternizações que não geram integração. Tudo porque as
nações tratam as outras como países, isolando-se em torno de seus
interesses. Tudo porque as empresas tratam seus colaboradores como
móbiles, fertilizando o terreno para uma guerra civil ao não definirem
seus valores, missão e ideais de forma compartilhada.
Olhamos
para o lado e vemos a guerra para saber quem avançará primeiro o
semáforo fechado, a guerra para determinar quem vencerá a licitação, a
guerra contra o narcotráfico, a guerra pela sobrevivência. Nesta hora
vemos que Darwin enganou-se, que a seleção não é natural porque a
natureza quer, mas porque o homem assim o deseja.
Então,
coloco-me diante de minha maior guerra pessoal: a de entender o porquê
de as coisas serem assim. Compreender como fui me deixar convocar por
este exército de insanos. E imaginar em qual ponto no espaço e em que
momento no tempo desgarrei-me da criança que vivia e amava a guerra,
como ela deveria ser.
* Tom Coelho
é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17
países. É autor de “Somos Maus Amantes – Reflexões sobre carreira,
liderança e comportamento” (Flor de Liz, 2011), “Sete Vidas – Lições
para construir seu equilíbrio pessoal e profissional” (Saraiva, 2008) e
coautor de outras cinco obras. Contatos através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.
Recebido do autor por e-mail
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