Especialistas discutem como ajudar motoristas com mais de 70 anos a guiar sem colocar em risco a própria segurança e a dos outros
Wray Herbert
© Monkey Business Images/Shutterstock |
Mister Magoo, personagem tradicional dos primórdios da televisão, era famoso por ser um motorista “perigoso”. O aposentado confuso e extremamente míope continuava a dirigir apesar das deficiências óbvias. Na sequência de abertura do desenho animado, ele quase colide com um trem, um monte de feno, por pouco não atropela vários animais domésticos, escapa por um triz de bater em uma montanha-russa, um hidrante, uma linha de alta-tensão e de cair em um buraco cheio de lama. Enquanto cumpre o trajeto, buzina e grita: “Barbeiro, sai da frente!”.
Podemos pensar que essas cenas representam um estereótipo preconceituoso de idosos. No entanto, como normalmente acontece com todas as caricaturas, a de Mr. Magoo tem um fundo de verdade. Não raro, a preferência por dirigir de forma lenta provoca transtornos no trânsito e irritação de outros motoristas. Faz sentido se pensarmos que mesmo o envelhecimento normal é acompanhado de declínios na visão, na agilidade mental para tomar decisões e na aptidão física. É lógico, portanto, que os déficits do envelhecimento prejudiquem a performance no volante?
Talvez não, afirma o psicólogo Alexander Pollatsek. Pesquisador da Universidade de Massachusetts, ele trabalha com colegas da Escola de Engenharia da mesma instituição analisando sistematicamente o comportamento de motoristas idosos. Segundo Pollatsek, as evidências desafiam a conexão presumida entre batidas de carros e os já conhecidos déficits. O estudo sugere que grande parte dos erros dos motoristas resulta de hábitos adquiridos que podem ser corrigidos.
Para testar a hipótese, os cientistas usaram simuladores de direção para analisar a abrangência do campo visual tanto de voluntários idosos quanto de meia-idade em condições reais. Os motoristas experimentaram guiar por longos trechos na estrada. Em um dos casos, a pessoa poderia chegar, por exemplo, a um sinal de parada em um cruzamento em T, que demandaria dar a preferência para quem viesse da esquerda. Ou teria de virar à esquerda no encontro de quatro vias com semáforo. Em cada cenário havia uma área visual que requisitava monitoramento de outros veículos aproximando-se, às vezes obscurecidos, com direito de preferência, e os participantes do experimento tinham três segundos para detectar a presença desse veículo e agir da forma mais adequada.
Os cientistas mediram precisamente quanto tempo os motoristas gastaram olhando para as áreas de potencial ameaça conforme se aproximavam dos cruzamentos e entravam neles. As descobertas foram um tanto inesperadas. Conforme relatado em um artigo publicado no periódico Current Directions in Psychological Science, em comparação com os jovens os idosos gastavam significativamente menos tempo avaliando como deveriam proceder nessas regiões críticas visuais. Mais revelador ainda: não havia distrações nas simulações – pedestres, por exemplo, que pudessem provocar desvio do foco de atenção. Os mais velhos não se mostravam menos capazes de perceber o que estava ao redor. Na verdade, costumavam olhar em volta tanto quanto os mais jovens – e não necessariamente quando realmente deveriam estar atentos a possíveis ameaças. Em suma, a dificuldade para identificar riscos em potencial era o motivo para as batidas – e não déficits visuais, cognitivos ou físicos, como especialistas e leigos acreditaram durante muito tempo.
A conclusão do estudo é promissora, já que até 2030 aproximadamente um em cada quatro motoristas terá 65 anos ou mais. Alguns treinamentos provavelmente não ajudarão pessoas com deficiências visuais, auditivas ou mentais – os Mr. Magoos da estrada –, mas podem ser adequados a muita gente sem esses déficits, uma vez que se trata de um método simples e barato para evitar um iminente problema de saúde pública.
Do site: www.mentecerebro.com.br
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