quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Repasse de Conhecimento




Estava um belo dia ensinando um colega de trabalho a como aplicar uma determinada ferramenta, na ocasião tratava-se da lógica de construção de um check-list de 5S e Gerenciamento Visual que atrelasse o ganho da gestão à redução de custos no processo.

Era algo bem específico do processo em questão. Para esse tipo de check-list não havia receita pronta nem padrão referencial inicial, deveríamos construí-lo do zero, de acordo com as características envolvidas, das variáveis que se controlava, dos objetivos que se desejavam alcançar e principalmente em como isso poderia ser feito sem que fosse encarado como mais um fardo, mas sim algo que ajudasse a gestão do supervisor.

Quando terminei e deixei-o fazendo o esboço inicial fui interpelado por outro colega que me questionou: “Por que você está dando a faca e o queijo não mão do cara? Isso só você aqui sabe fazer!”.

E me disse isso num tom quase que de espanto, que só foi superado pelo meu.

De imediato e quase autômato respondi: “É verdade! Fiz besteira!”. Fiz besteira? Como ensinar a alguém pode ser besteira? Desde quando repassar conhecimento é besteira? Cheguei a essa conclusão logo depois, quando já estava só e repassando esse momento na minha cabeça. Eu agradeço de mais e sempre o farei aos meus mestres, tanto os do conhecimento teórico quanto do prático. Foi o repasse do conhecimento deles que me ajudou a ser o que sou hoje. Então seria lógico que eu ajudasse quando coubesse a mim este papel. E era o que estava fazendo. Qual seria o problema nisso? O problema está em ver isso como problema.

O sentido da palavra repassar é passar de novo. Ora! Como assim passar de novo? Simples! Não geramos conhecimento do nada, no máximo adaptamos e transformamos o existente em algo novo.

Na natureza nada se cria, tudo se transforma. Já escutou isso,certo? Então, tudo que temos de conhecimento, de uma forma ou de outra nos foi repassado. Tentar quebrar essa lógica é ilógico, contraproducente e ineficaz sob vários pontos de vista. Não devemos entender repasse como transferência. Não transferimos conhecimento, pois transferir compreende uma imutabilidade do objeto transferido, o que não é o caso.

Transferimos um arquivo, um livro, algo sólido e palpável, não conhecimento. E a forma com que o recebemos e processamos varia de um para outro. Portanto, repassamos uma premissa, uma lógica, uma teoria, como ela vai ser absorvida e processada é uma incógnita. Aí é que está a diferença.

Podemos reter o conhecimento que temos, entregando fórmulas prontas ou soluções idem, dizendo “o que”, mas não “o como”. Mas, em algum momento essas fórmulas e soluções serão conhecidas ou melhoradas em outra parte e fora de nosso alcance de controle. Momentaneamente isso nos trará vantagem.

Se formos egoístas um pouco acima da média, veremos isso como vantagem a ser utilizada sempre. E até será dependendo do âmbito a que se trate. Dois exemplos simples? O primeiro trata-se de alguns consultores. Dificilmente eles dizem “o como”. Entregam a solução pronta, mas não repassam o conhecimento do como aplicá-la. Acompanham até certo ponto e saem de campo. O que acontece no final? Um retrocesso ao status quo, já que a empresa não mudou sua cultura, isso devido ao fato de que muitas vezes não há tempo hábil suficiente para que a correta compreensão se alinhe.

O segundo? Quantas vezes você já segurou alguma informação para se beneficiar dela antes de alguém? Ou quantas vezes ensinou apenas o básico, mas não o “pulo do gato” a alguém? O conhecimento talvez seja uma das poucas coisas na vida que não retrocedem. A não ser que se extinga a raça humana de súbito, o que é pouco provável que ocorra. No final das contas então, por que seria eu a quebrar esse elo? Não! Eu não.

Fui ensinado, e acredito nisso, que o repasse de conhecimento é fundamental no processo de melhoria. Quando se ensina, ganha-se tempo, uma vez que o objeto alvo do repasse tende a não cometer os mesmos erros, e reduz-se o custo, afinal, não faremos aporte de capital em tentativas fadadas à falha ou que desbravam riscos ainda não conhecidos. Empresas que entendem isso trabalham e mantêm o conhecimento vivo.

Mas infelizmente poucas o fazem. O que se vê comumente é sua estagnação quando aquele funcionário chave deixa a empresa e “leva-o” consigo.

As práticas desenvolvidas, a cultura implementada e os ganhos alcançados tendem à morte e os processos ao retrocesso. Lembra-se da especulação sobre a Apple depois da morte do Steve Jobs? Ela teria “virado” Steve Jobs ou apenas estava “sendo” Steve Jobs enquanto este a presidia? Vi isso acontecer inúmeras vezes. E de quem é a culpa? Do funcionário que levou o conhecimento embora? Dele ainda que não o repassou? Da empresa que não o segurou? Da empresa que não tem prática em manter uma cultura criada? Não sei.

Talvez um pouco de cada, talvez alguma outra coisa, ou tudo junto e mais uma outra coisa. Depende do contexto. Acredito que nossa parte deve ser cumprida: repasse incondicional do saber.

A empresa por sua vez deve criar e manter uma cultura que propicie não só esse repasse como sua manutenção, mesmo que os agentes iniciais da mudança mudem. Nossa parte deve ser cumprida.

Repito: repasse incondicional. Quando o fazemos nos obrigamos a melhorar, se quisermos continuar como referência. Isso é positivo, pois no joga num ciclo de melhoria constante.

Quando o fazemos nos obrigamos ao crescimento, pois, aprendemos no ensinar e reforçamos nossas premissas no confronto com outras. Refutamos as fracas e reiteramos as embasadas. “Ah! Mas, se você ensinar tudo vai ficar sem carta na manga”, disseram-me uma vez.

E pensei: “o que sei, qualquer um pode saber se buscar as fontes, mas concatenar os conhecimentos para pô-los em prática para gerar ganho, ninguém vai saber como eu sei”.

A forma com que sei, somente eu sei. O que nos diferencia não é o conhecimento que temos, mas o que fazemos com ele.

E isso é uma outra longa e complexa história.


João Paulo de S. Silva  |  Publicado em: 09/10/2012, no site: www.qualidadebrasil.com.br

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