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UVAS PRETAS e rosadas contêm
altas concentrações de flavonoides, componentes com ação
anti-inflamatória, principalmente na casca e nas sementes |
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Degustar uma taça de vinho pode
proporcionar mais que prazer e bem-estar. A bebida milenar, associada ao
deus grego Dioniso e ainda hoje usada em rituais religiosos, tem
chamado a atenção de cientistas por seus benefícios à saúde. É
comprovado que, em pequenas quantidades, previne doenças
cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer. Uma substância em
especial tem revelado grande potencial terapêutico: o resveratrol,
molécula presente na casca de uvas pretas e rosadas e um dos ativos não
alcoólicos encontrados na bebida. Segundo o cientista Lindsay Brown, da
Escola de Ciências Biomédicas da Universidade de Queensland, na
Austrália, a molécula reduz os sintomas de doenças relacionadas à idade,
como o diabetes 2. Segundo Brown, a substância pertence ao grupo das
sirtuínas, família de enzimas que agem na regulação energética e no
envelhecimento das células.
Em um estudo da Universidade do Texas
pesquisadores injetaram o resveratrol no cérebro de ratos e observaram
aumento da secreção de insulina e redução dos níveis glicêmicos. Mesmo
nos animais que receberam dieta hipercalórica, a molécula ajudou a
reduzir os níveis de açúcar sem causar os efeitos colaterais dos
medicamentos para diabetes mais utilizados. A descoberta pode ajudar a
criar remédios que atuem sobre as sirtuínas. Entretanto, os
pesquisadores ressaltam que esse mecanismo não esclarece o efeito
protetor do vinho contra o diabetes 2, pois o resveratrol não parece
atravessar facilmente a barreira hematoencefálica. Isso ocorre porque a
substância é praticamente inativada quando chega ao intestino e ao
fígado. Assim, ela atinge a circulação apenas em pequenas quantidades.
Porém, se o vinho for bebido de forma lenta, em pequenos goles, as
chances de absorção pelo sangue aumentam, através das membranas mucosas
da boca, até 100 vezes. A equipe coordenada pelo químico André Souto, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),
trabalha no desenvolvimento de um fármaco contra diabetes com base no
resveratrol, que além de encontrado na uva, está presente em quantidade
100 vezes maior também na hortaliça popularmente conhecida como azedinha
(Rumex acetosa). No entanto, ainda são necessários mais estudos para saber se é possível produzir remédios a partir da planta.
À FRANCESA
O
resveratrol tem mostrado efeito sobre várias patologias. Cientistas da
Escola de Medicina Johns Hopkins, em Maryland, administraram a
substância em ratos e duas horas depois induziram um derrame isquêmico
nos animais, cortando o suprimento de sangue do cérebro. Eles
observaram que os camundongos que haviam ingerido preventivamente um
composto com resveratrol sofreram significativamente menos danos
cerebrais do que os que não receberam a substância. O estudo foi
publicado on-line na Neurology Experimental.
O
neurocientista Sylvain Doré, coordenador da pesquisa, aponta que o
resveratrol pode aumentar os níveis da enzima hemeoxigenase (HEOX),
conhecida por proteger as células neurais contra perda progressiva de
função neurológica causada pelo entupimento (isquemia) ou rompimento
(hemorragia) de vasos sanguíneos cerebrais. Durante um acidente
cardiovascular, a HEOX aumenta a resistência dos neurônios contra a
asfixia. A novidade é que o resveratrol pode potencializar a ação da
enzima e tornar o cérebro mais resistente contra o AVC isquêmico. Por
outro lado, os efeitos do resveratrol dependem da quantidade de heme
oxigenase presente no organismo. Ratos com deficiência da enzima não se
beneficiaram da ação protetora do resveratrol – neles um maior número de
células cerebrais morreu após a indução do derrame isquêmico. Doré
associa suas conclusões ao que chama de “paradoxo francês”: apesar da
dieta rica em queijos, manteiga e outras gorduras saturadas, a
incidência de doenças cardiovasculares é relativamente baixa entre os
franceses. O fato é atribuído ao consumo regular de vinho tinto.
Além
disso, o consumo da bebida tem sido associado também à diminuição de
doenças inflamatórias agudas como a septicemia (infecção grave do
organismo por germes patogênicos). Em estudo feito na Escócia, o
imunofarmacologista Alirio Melendez, do Centro de Pesquisa Biomédica
da Universidade de Glasgow, utilizou o resveratrol para tratar
camundongos com doenças inflamatórias agudas. Ele aponta que processos
de infecções graves são difíceis de ser controlados e, ainda hoje, são
causa frequente de morte. Pacientes que sobrevivem à infecção mantêm
qualidade de vida muito baixa por causa dos danos provocados pela
inflamação de vários órgãos internos. Melendez induziu um agente
inflamatório em dois grupos de ratos, mas antes disso um deles havia
recebido doses de resveratrol. Os camundongos que não receberam a
substância mostraram forte resposta inflamatória, parecida com a doença
em humanos, enquanto o grupo que recebeu tratamento não demonstrou
sinais de infecção. Os cientistas examinaram os tecidos dos ratos para
determinar exatamente como o resveratrol foi capaz de proteger os
animais e descobriram que a substância impediu o corpo de criar duas
moléculas envolvidas no desencadeamento de inflamações: a esfingosina
quinase e a fosfolipase. O pesquisador acredita que o resveratrol pode
ser usado para tratar doenças inflamatórias e desenvolver drogas ainda
mais eficazes.
Doré aponta, porém, que tomar suplementos de
resveratrol, comercializados em alguns países como os Estados Unidos,
não garante os mesmos efeitos do consumo moderado de vinho. Apesar de a
substância ser encontrada em uvas pretas, ele acredita que a interação
com o álcool presente na bebida garante o potencial terapêutico da
substância.
NA MEDIDA CERTA
É importante ressaltar que as
quantidades de resveratrol na bebida variam com o tipo de vinho. Ainda
são necessárias mais pesquisas para esclarecer qual tipo é mais
adequado para consumo e quais as quantidades indicadas. “Talvez o
resveratrol não seja o responsável direto por proteger as células
cerebrais contra os danos provocados pelos radicais livres. O mais
provável é que a substância e os seus metabolitos estimulem as células a
se defender”, sugere Doré. O neurocientista se concentra em estudar os
efeitos preventivos da substância, mas pretende investigar os benefícios
terapêuticos depois do acidente vascular cerebral (AVC) e se é possível
reverter perdas neurais que surgem com o passar do tempo.
Outro benefício associado ao consumo de vinho tinto foi publicado no Journal of Neuroscience.
Em um experimento com roedores, o neurocientista Giulio Pasinetti e
seus colegas do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina Monte
Sinai, em Nova York, mostraram que substâncias presentes na bebida podem
combater os primeiros sinais de Alzheimer. Eles aplicaram extrato
retirado da semente de uva em camundongos na fase pré-sintomática da
doença degenerativa, durante cinco meses. A dose aplicada era
equivalente à quantidade média de alimentos consumida pelos animais, com
referência em valores diários de uma dieta saudável. A exposição à
substância reduziu a acumulação de placas amiloides no cérebro e o
declínio cognitivo em comparação com o grupo de controle. Observaram
também que os roedores tinham melhor memória espacial. Segundo
Pasinetti, o vinho pode ajudar a retardar a formação de placas e fazer
com que os sintomas, como a perda cognitiva, demorem mais para aparecer.
Em
um estudo anterior, o neurocientista relatou que o consumo moderado da
bebida e de outros produtos feitos da uva traz benefícios à saúde,
particularmente para a função cardiovascular. O objetivo agora é tentar
descobrir qual a principal molécula, entre os milhares contidas no
vinho tinto, envolvida na prevenção de patologias neurodegenerativas.
Outros grupos desenvolvem pesquisas semelhantes com o café. “Esse pode
ser o primeiro passo para desenvolver um tratamento natural e sem
contraindicações para demência”, diz.
Apesar dos ganhos trazidos
pela bebida, o consumo de álcool tem riscos, principalmente para pessoas
com problemas hepáticos. “Se uma taça diária funciona para os
franceses, que mantêm o hábito ao longo de gerações, isso não significa
que pessoas que nunca ingeriram a bebida vão se beneficiar se
incorporarem o vinho à sua dieta”, diz Pasinetti. Uma alternativa
inofensiva é o consumo de uvas pretas e rosadas. Elas contêm altas
concentrações de antioxidantes, resveratrol e flavonoides,
principalmente na casca e nas sementes. Para alguns pesquisadores, comer
a fruta fresca ou tomar seu suco garante a mesma quantidade de
antioxidantes, com a vantagem – para tristeza dos apreciadores de vinho –
de não ter álcool. |