domingo, 4 de março de 2012

Caçadores de ondas

Do site: www.mentecerebro.com.br, em 29 de janeiro de 2012

Cientistas descobrem padrão de oscilação elétrica gerado pelo hipocampo
por Sidarta Ribeiro

©shutterstock

Em 1924, o primeiro registro de eletroencefalograma (EEG) humano evidenciou a existência de ondas de voltagem cerebrais. O estudo delas vem demonstrando que neurônios atuam coletivamente, sincronizando seus impulsos elétricos, o que significa que é possível detectá-las mesmo fora do crânio. Foi somente nos últimos anos, no entanto, que os neurocientistas começaram a descobrir que as ondas neurais escondem um código secreto. Se os rádios transmitem informação modulando a amplitude (AM) ou a frequência (FM) de oscilações eletromagnéticas, o cérebro dá indícios de utilizar estratégias similares.

Um dos grandes focos emissores de ondas cerebrais está situado no hipocampo, uma espécie de sistema de posicionamento global (GPS, na sigla em inglês) interno. Por causa dele, somos capazes de aprender novas memórias espaciais, o mesmo tipo de recordação utilizada para se orientar em uma cidade desconhecida, por exemplo, associando pontos de referência a localizações específicas, o que nos permite percorrer um trajeto. Recentemente, dois cientistas gaúchos radicados em Natal descobriram um novo padrão de onda elétrica gerada pelo hipocampo, que pode estar intimamente relacionado com a formação de memórias.

O tamanho da façanha pode ser estimado se considerarmos que o hipocampo é uma das regiões mais estudadas de todo o cérebro. Recorrendo a uma metáfora zoológica, descobrir uma nova onda hipocampal em pleno século 21 é como descobrir uma nova espécie de primata no parque do Ibirapuera. Como é que ninguém viu isso antes?

A descoberta só foi possível graças a uma nova ferramenta matemática capaz de detectar padrões de interferência entre ondas cerebrais, desenvolvida pelo neurocientista Adriano Tort, coordenador do estudo no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em suas próprias palavras: “Estudando como as ondas cerebrais conversam entre si, fomos capazes de identificar um novo padrão de comunicação, uma nova banda de frequências rápidas cuja amplitude é modulada por padrões mais lentos, que podem constituir um canal de transmissão importante utilizado pelo hipocampo para realizar suas funções”.

Os resultados da pesquisa foram publicados na prestigiosa revista Cerebral Cortex e embasaram a primeira dissertação de mestrado concluída no Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFRN, defendida pelo agora doutorando Robson Teixeira. Este ainda se espanta com o sucesso da caçada: “Cientistas do mundo inteiro rotineiramente realizam pesquisas visando entender como o hipocampo forma novas memórias, e por isso ficamos surpresos ao encontrar um tipo inédito de onda cerebral nessa estrutura”.

Novos experimentos deverão dizer se a interferência entre as ondas hipocampais pode ajudar a tecer novas memórias e transmiti-las a outros pontos do cérebro, da mesma forma que emissoras de rádio transmitem música. Munidos das poderosas armas da matemática computacional, Tort e Teixeira estão preparados para o inesperado. Música para os ouvidos da neurofisiologia, ao sul e ao norte do Rio Grande!
Sidarta Ribeiro é neurobiólogo, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e professor titular da UFRN.

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