sexta-feira, 9 de março de 2012

Fábrica de Heróis (3/3)

Do site: www.mentecerebro.com.br

(continuação)

Enfim, o motivo que nos faz acatar uma determinação, ainda que pareça injusta, e permanecer passivos ou nos rebelar parece não consistir em traços profundos da personalidade. “As diferenças podem depender de atributos mais flexíveis e, portanto, mais sensíveis ao contexto – no qual deveria ser mais fácil trabalhar”, observa. Ele conta que o Heroic Imagination Project pretende promover estudos sobre variáveis para identificar quais têm maior peso na indução à desobediência, modificando, por exemplo, a maneira como os indivíduos se relacionam com a autoridade etc.

Nos Estados Unidos, Zimbardo observou que dos 4 mil cidadãos escolhidos ao acaso, 20% haviam realizado um ato heroico. Entre negros e hispânicos, o percentual era o dobro em comparação com os brancos: a hipótese romântica é que as vítimas de preconceito e discriminação desenvolvem sensibilidade maior que os outros; a prosaica é que eles têm mais ocasiões para deparar com injustiças e perigos. Zimbardo quer voltar sua atenção agora para distinguir o que há de verdadeiro nas duas teses.


As pesquisas não têm mero interesse acadêmico. Os resultados serão aplicados ao maior dos desafios: mudar comportamentos. “Queremos promover a ideia de que todos somos heróis em potencial”, ressalta Bocchiaro. “Por esse motivo, fazemos breves treinamentos para despertar essa convicção nos jovens. O conhecimento e a informação formam o primeiro passo, mas não bastam. Para deflagrar uma ação positiva é preciso descer ao nível profundo das emoções, das experiências, somente assim sera possível acessar o herói dentro de nós quando a situação exigir.”

Em duas escolas da região de São Francisco, uma em um bairro desfavorecido e outra em uma área abastada, foi iniciado em outubro do ano passado um programa para promover a “imaginação heroica”, a imagem de si como possível herói. O programa é dividido em três fases. Após uma promessa solene – um compromisso público tem mais chance de ser respeitado –, começa a fase teórica. Os alunos tomam consciência dos mecanismos que nos levam a comportamentos perversos. Aprendem o poder que determinadas situações têm de condicionar comportamento e a ser mais empáticos por meio de exercícios de atenção aos sentimentos alheios e aos próprios. A proposta também é contestar uma causa importante da inação ou da crueldade: a ideia de que a vítima seja de algum modo culpada por seu destino. Depois, os jovens estudam exemplos de heroísmo em que possam se inspirar.

Chega então o momento do planejamento. Os jovens distinguem um problema que poderia requerer um comportamento heroico: por exemplo, enfrentar casos de prepotência, preconceito ou de discriminação dentro da própria escola. Em seguida, analisam o desafio e elaboram um plano para confrontá-lo, envolvendo também os outros estudantes. Na última fase, o plano é colocado em prática, sempre com a ajuda do professor treinado para acompanhar essa atividade.

“Começamos com pequenos passos, indo da teoria à ação, nos quais os adolescentes se aventuram fora do conforto de seus hábitos e experimentam a própria imaginação heroica, primeiro em situações protegidas e depois na vida real”, conta Wilkins. “Desse modo, os estudantes passam a se sentir capazes de fazer escolhas que exigem mais empenho. O conceito básico que transmitimos é que pequenas atitudes fazem enorme diferença: nas experiências sobre conformismo, um único dissidente fez cair a taxa de conformismo no grupo.” Assim as lições se traduzem pouco a pouco em comportamentos positivos, os quais – espera-se –, com o contágio do exemplo, produzirão mudanças na comunidade e passarão a ocorrer espontaneamente também em outras circunstâncias da vida.

“Não podemos ainda avaliar o projeto, temos somente dados preliminares. Porém, os sinais são encorajantes”, comemora Lynne Henderson, diretora da pesquisa. “Os estudantes declararam que estão aprendendo a enfrentar os companheiros mais voluntariosos e a 'apertar o botão de pausa' antes de agir, assim não se entregam impulsivamente a escolhas mais imediatas.

Percebem que estão conseguindo colaborar uns com os outros, tomar a palavra e participar de discussões em que antes não teriam intervindo, ou tomar posições em defesa dos menos favorecidos. Enfim, estão construindo aquilo que chamamos de músculos sociais.” Segundo Lynne, já é possível notar que os estudantes parecem mais propensos a conceder aos outros o benefício da dúvida antes de julgá-los. “Naturalmente, faremos avaliações mais aprofundadas, com testes para os estudantes e também para seus familiares”, salienta.

No momento, o que se tem é um laboratório de estudo e experimento. O programa extrai seus conhecimentos da psicologia social, mas pretende incorporar os resultados das novas pesquisas logo que estejam disponíveis. Prevê experiências e avaliações, também por meio de uma rede social, reunindo os alunos participantes para verificar as repercussões ao longo do tempo. Por enquanto, o projeto limita-se a algumas escolas piloto, mas Zimbardo tem planos ambiciosos: quer um ramo em cada cidade dos Estados Unidos – e, depois, no exterior. Para isso está à caça de colaborações e já obteve o compromisso de fontes que vão do Instituto Científico Chinês ao fundador da Wikipédia, Jimmy Wales.

“Se tivermos sucesso, o resultado será fascinante: um grupo de heróis prontos para iniciar uma extraordinária mudança social e transformar sua comunidade,sua cidade e o mundo em um lugar mais humano para todos.”

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