quinta-feira, 8 de março de 2012

Fábrica de Heróis (2/3)

 Do site: www.mentecerebro.com.br


(continuação)


A pesquisa é o motor dessa proposta, que deve se basear na ciência. O primeiro desafio é esclarecer quem é um herói. “Historicamente, o herói é um homem guerreiro, como Aquiles ou Ulisses, jamais mulheres, jamais rapazes; são essencialmente homens adultos sedutores”, disse Zimbardo na apresentação do projeto. Segundo ele, os heróis modernos são “enganadores”, já que parecem inalcançáveis. “Madre Teresa, Nelson Mandela, Mahatma Gandhi são pessoas que decidiram dedicar a vida a uma causa, e isso é demais para que a maior parte de nós possa sequer pensar em imitá-los.”

Para Zimbardo, a ideia épica do herói com o qual gente comum não consegue se identificar está entre as causas da passividade da maioria. Ele aposta na necessidade de “democratizar” o heroísmo e reconduzi-lo ao dia a dia. Para isso, entre outras coisas, está em andamento a elaboração de uma “heropédia”, uma enciclopédia de heróis “comuns”, na qual todos possam encontrar modelos reais para se inspirar, já que é dado como certo que a disponibilidade de modelos influencia o comportamento.

Estabelecido o que não é um herói comum, falta definir o que é. “A ação heroica se distingue por alguns traços: é voluntária; traduz-se em ajuda aos que se encontram em dificuldades; muitas vezes implica risco físico, econômico ou social; e não prevê uma compensação”, explica o diretor do projeto, Clint Wilkins. A definição cobre um campo de ação muito diverso, no qual se renuncia aos confortáveis automatismos da inércia e da inação para encarar pequenos e grandes desafios.

Existem atos de impulso em uma emergência e ações premeditadas ou levadas adiante com tenacidade durante os anos. Assim, tanto é considerado herói quem enfrenta a tempestade para salvar uma criança quanto quem esconde, por meses, judeus na própria casa; quem arrisca a carreira profissional desmascarando as falcatruas da empresa ou a pessoa que sacrifica sua comodidade para dedicar a vida aos pobres. Ou ainda quem para na rua e socorre um estranho. Com o psicólogo Zeno Franco, Zimbardo procurou elaborar uma “classificação do heroísmo”, apresentada em 2007 no livro The Lucifer effect: understanding how good people turn evil (O efeito Lúcifer: entendendo como pessoas boas se tornam diabólicas).

Trata-se de um trabalho em curso, por ora limitado à cultura ocidental. Entretanto, é um esboço pelo qual será possível se orientar. O que deflagra comportamentos altruístas? E o que se pode fazer para promovê-los? Existem fatores individuais que favorecem as ações heroicas? “Hoje ainda não existem dados que confirmem isso”, afirma o psicólogo social Piero Bocchiaro, que participa do projeto com seus estudos sobre o tema nas universidades de Palermo e Livre de Amsterdã e trata do heroísmo em seu livro Psicologia do mal. Ele lembra que, nos anos 80, os psicólogos Samuel e Pearl Oliner examinaram 700 pessoas de vários países.


Durante a guerra, metade deles havia escondido em casa um ou mais judeus. A linha divisória entre as duas categories era muito frágil. Quem havia prestado Socorro demonstrava mais coragem moral, senso de responsabilidade, empatia e tolerância em relação a grupos sociais diferentes, além de capacidade de se opor a ordens injustas. No entanto, não havia
nenhuma diferença em seus traços de personalidade nem nos valores morais básicos. Os Oliner foram criticados pelos métodos que empregaram – como as entrevistas depois de tantos anos da ocorrêcia dos fatos, o que teria contribuído para a reconstrução de um quadro errôneo. Suas conclusões, porém, coincidem com as do próprio Bocchiaro, que realizou experiências planejadas e controladas.

“O procedimento é o mesmo usado por Milgram: colocamos as pessoas diante de ordens injustas, e para nós interessa quem desobedece a elas”, explica. Funciona da seguinte maneira: um pesquisador respeitável pede a seus alunos que escrevam uma mensagem animada aos amigos para convencê-los a participar de uma experiência. Porém, os estudantes são informados de que, nos estudos-piloto, os participantestiveram reações de pânico, deterioração das habilidades intelectuais e outras consequências desagradáveis e perigosas.

Na Holanda, em 2010, a maioria dos universitários – em teoria, pelo menos, treinados para pensar de forma crítica – obedeceu. Na Itália, também. Em Amsterdã, 76% escreveram a mensagem, 14% se recusaram e apenas 9% contaram com uma terceirapossibilidade: fazer uma denúncia anônima à comissão ética da universidade. Os perfis de personalidade não mostravam diferenças entre os que seguiram os diferentes caminhos.

Nem o passado de uma pessoa nem a imagem que ela mesma ou os outros podem fazer de seu comportamento habitual ajudam a prever o que alguém faria em situações insólitas. “A outro grupo pedimos apenas que imaginassem o que teriam feito: nesse caso, apenas 3% imaginavam obedecer, 32% previam desobedecer e 74%, denunciar”, disse Bocchiaro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário