sexta-feira, 16 de março de 2012

Vencendo Obstáculos

Do site: www.mentecerebro.com.br, em 17 de fevereiro de 2012

Para alguns pesquisadores a capacidade de resistir a situações de dificuldade pode ser moldada com base numa mudança na educação formal e familiar

©Max FX/shutterstock

por Rabea Rentschler
Em meio às dificuldades estão as possibilidades”, teria declarado Albert Einstein. Muitos que já superaram uma crise partilham essa visão. E cada vez mais psicólogos, neurocientistas e sociólogos buscam compreender aspectos que podem fortalecer o psiquismo e ajudar as pessoas a vencer o sofrimento. É praticamente impossível quebrar um mousepad. Nós podemos dobrá- lo, amassá-lo e bater nele – mas logo em seguida o objeto retoma sua antiga forma. A psique de algumas pessoas parece se comportar de forma semelhante: nem circunstâncias difíceis da vida nem golpes do destino conseguem tirá-las dos eixos. Outros, porém, passam por situações igualmente difíceis, ou até bem menos difíceis, e se mostram frágeis, como se tivessem enorme dificuldade para se recuperar de qualquer dor ou frustração.

Nos anos 50, a reação flexível a situações desafiadoras e estressantes da vida já fascinava o psicólogo americano Jack Block, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Para descrever essa capacidade de recuperação psíquica, ou“ fenômeno joão-bobo”, ele recorreu a um conceito da física: resiliência. A palavra tem origem no latim resilire e significa “saltar para trás” ou “ricochetear”. Na ciência dos materiais, ela caracteriza aqueles que, apesar de terem suportado uma carga extrema, sempre retornam ao seu estado original – como a espuma com a qual os mousepads são fabricados.

Outro pioneiro das pesquisas em resiliência foi o sociólogo americano de origem judaica Aaron Antonovsky (1923-1994). Nos anos 60, na Universidade Hebraica de Jerusalém, ele acompanhou mulheres que estiveram presas em campos de concentração durante a Segunda Guerra. O resultado de suas observações foi surpreendente: aproximadamente um terço delas encontrava se em bom estado psicológico – o extremo estresse da internação parecia não ter afetado sua estabilidade psíquica.

Antonovsky passou então a pesquisar o que mantém as pessoas psiquicamente saudáveis – uma abordagem revolucionária em sua época, pois ele desviou o olhar das marcas características e desencadeadoras de patologias para focar a saúde. Em vez de partir de distinções entre “saudável” e “doente”, Antonovsky embasou seu conceito de salutogênese na ideia de um continuum, segundo o qual todo ser humano se move em algum lugar entre os dois polos. Se ele tem, nesse caminho, uma “coerência psíquica”, desenvolve então estabilidade mental e emocional – até mesmo em situações estressantes. O sociólogo define essa capacidade como “uma postura básica diante da vida que se expressa como um sentimento de confiança que permeia tudo; é uma sensação duradora e ao mesmo tempo dinâmica de que o mundo de experiências, tanto interno quanto externo, é previsível e existe uma grande possibilidade de que as situações se desenvolvam da melhor forma racionalmente
provável”.

Em seu livro Health, stress and coping, de 1979 (Estresse, saúde e enfrentamento, não publicado no Brasil), o sociólogo desenvolveu a tese de que o senso de coerência, que varia de uma pessoa para outra, é formado essencialmente por três componentes: o sentimento de compreensão de determinada situação, o entendimento do que pode ser alterado naquele contexto e a relevância. Para o pesquisador, quem pode recorrer a esses recursos mentais tende a permanecer saudável, apesar das frustrações inerentes à vida. Segundo ele, para pessoas com um forte senso de coerência o mundo parece menos hostil e assustador, pode ser assimilado, mesmo em ocasiões nas quais surgem problemas e tudo ao redor parece desorganizar-se (por exemplo, quando perdemos o emprego, nos vemos às voltas com uma doença grave ou nos desentendemos seriamente com um ente querido).

Quanto mais percebemos a coerência a nossa volta – apesar dos dissabores – mais somos capazes de recorrer a fontes de auxílio internas e externas e temos clareza do que po demos realmente fazer por nós mesmos e pelo outro (factibilidade). Por isso, para pessoas com senso de coerência mais aguçado, a vida não
parece um fardo, mas um desafio – e não perde a relevância, apesar das dificuldades ineviáveis.

Atualmente, os estudos sobre resiliência ganham cada vez mais espaço entre pesquisadores do comportamento humano e profissionais da saúde. E tanto estudiosos do cérebro quanto psicólogos e psicobiólogos buscam compreender melhor os fatores que fortalecem a resistência psíquica. “Quem não consegue regular emoções se isola com frequência, não tolera frustração e se mostra arrogante, sem se preocupar com sentimentos alheios, pode estar em situação de risco. No entanto, estamos longe de poder oferecer modelos explicativos válidos para essas tendências comportamentais tão complexas”, diz o psicólogo do desenvolvimento, pedagogo e geneticista grego Wassilios Fthenakis, atualmente professor da Universidade Livre de Bozen, na Itália.

Ele ressalta que uma importante proteção emocional é fornecida por relações empáticas, apreciativas e apoiadoras por parte de pais e professores. Ou seja: quem é tratado desde cedo com respeito e carinho e recebe limites claros do que deve ou não fazer tem mais chance de se tornar uma pessoa equilibrada. “Mas sem dúvida um elemento fundamental para o desenvolvimento psíquico saudável é a família: crianças que não puderam construir ligação segura com os pais sofrem. Se elas experimentam pouco reconhecimento e valorização, isso reduz sua autoestima e as impede de assumir responsabilidades
e superar conflitos.” Na opinião do psicólogo, o conteúdo da educação também é importante: o conto de fadas A bela adormecida, por exemplo, é desaconselhável, pois favorece o comportamento antirresiliente. “A princesa não precisa fazer nada por si mesma – apenas espera dormindo que o príncipe a acorde com um beijo. Crianças precisam de histórias nas quais os problemas são enfrentados e superados. Assim, aprendem que vale a pena mobilizar as próprias forças e utilizar o apoio social em situações difíceis.”

Estudos demonstraram que as meninas dispõem, de maneira geral, de melhores competências linguísticas que os meninos da mesma idade. Geralmente, elas têm amizades mais estáveis e aprendem mais cedo a expressar seus sentimentos e a perceber as emoções de outras pessoas. Inclusive ao lidar com conflitos, as meninas se mostram superiors aos meninos. No final das contas, elas apresentam melhores perspectivas para lidar de forma resiliente com as crises.

O melhor caminho para compensar os déficits na idade adulta é se conscientizar dos próprios pontos fortes e mobilizá-los. Nesse sentido, a psicoterapia costuma ser muito útil. Mas precisamos estar dispostos a aprender coisas novas, pois a capacidade de superar crises está associada à possibilidade de mudança. “Deveríamos aproveitar eventos estressantes no decorrer de nossa história como oportunidades de amadurecimento emocional”, acredita Fthenakis.

Para ele, a maioria dos sistemas de educação e de assistência aos adolescentes se orienta pelas fraquezas humanas e quer contribuir para sua superação. Essa perspectiva, porém, tem se mostrado pouco eficaz. “Talvez seja mais eficiente não atentar apenas aos déficits, mas primeiramente aos pontos fortes das crianças.” Ele defende uma mudança de paradigma no sistema educativo: “O foco não deveria estar na aquisição de conhecimento e sim no fortalecimento das competências infantis. E isso não apenas nas instituições, mas também nas famílias”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário