sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A cura pela palavra (2/7)



Da revista Mente & Cérebro, edição 225 - Outubro 2011


O psicanalista Christian Dunker, colaborador de Mente e Cérebro, fala sobre seu novo livro, Estrutura e constituição da clínica psicanalítica, em entrevista à editora Karnac Books, que lançou a obra na Inglaterra
[continuação]

3. De onde veio a ideia de escrever este livro?

Tudo começou como uma espécie de desafio proposto por Erica Burman e Ian Parker, professores da Manchester Metropolitan University, onde eu estava fazendo meu pós-doutorado em 2000: "Seria possível escrever uma espécie de história das práticas que constituem a psicanálise", da mesma forma que Hegel esceveu a Fenomenologia do espírito, mas que seja conectada às relações de poder e às estruturas de práticas sociais? No início minha ideia foi escrever uma espécie de romance filosófico da psicanálise. Quando fui escrever minha livre-docência, em 2006, lembrei-me desse devaneio e resolvi colocá-lo em prática. Originalmente o trabalho tinha menos da metade de seu tamanho de hoje. Na verdade, era um esboço baseado em uma espécie de síntese de minha produção teórica até aquele momento, como se espera de uma tese de livre-docência. Depois disso me envolvi com a extensa e problemática experiência linguística intelectual de traduzir um livro para o inglês, que foi publicado pela Karnac Boooks em 2010. Lacan já é difícil em francês, imagine depois de um estágio na língua portuguesa e uma deriva para inglês? Não fosse meu amigo Terrence Hil, jamais teria conseguido. Há termos cruciais que simplesmente não têm equivalente estável em inglês. Isso envolve noções simples e centrais para o livro, como saber, sujeito e cura. Enquanto traduzia o livro para o inglês, seus problemas começavam a ficar mais claros, o que me levou a uma nova versão, recentemente publicada pela Editora Annablume.


4. Quais foram as suas motivações e sentimentos ao escrevê-lo?

Foi um projeto estranho, mas muito divertido, porque há muitas concepções filosóficas envolvidas na psicanálise, particularmente na psicanálise lacaniana. Por isso é tão interessante organizar todo o material cronologicamente e alterar a perspectiva a partir de conceitos e ideias práticas e estratégias empíricas, para lidar com o sofrimento humano, com o mal-estar e com as expressões sintomáticas. Tive de deixar de lado inúmeras fontes e comentadores. Em troca pude, em cada capítulo, trazer uma espécie de pequeno conto que ilumina o problema, ao modo de uma figura. Sempre achei que a clínica é uma espécie de crítica social feita por outros meios. Nossa formação uspiana enfatiza muito esta dupla exigência: clínica e crítica. Mas as histórias que tínhamos para articular as duas perspectivas eram, em sua maioria, relatos hagiográficos, autocomplacentes e ideológicos.

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