sábado, 14 de maio de 2011

Perigosas ligações (2/4)

edição 220 - Maio 2011 da Revista Mente & Cérebro

Choros, gritos, gestos descontrolados e outras manifestações dramáticas diante de uma frustração podem ser resultado de imperfeições cerebrais; pesquisadores buscam compreender comportamentos exagerados que destroem relacionamentos e minam a possibilidade de uma vida equilibrada
por Ophelia Austin-Small
[continuação]

Na maioria dos casos, os traços destrutivos são difíceis de ser modificados sem ajuda profissional. Quando esses comportamentos extremados fogem ao controle, passam a permear a maioria das áreas da vida, podendo caracterizar distúrbios psiquiátricos específicos, como o transtorno de personalidade borderline (TPB) – ou personalidade limítrofe.


Afinal, o que desencadeia tanto drama? O que faz com que divergências de opiniões e desentendimentos que poderiam ser facilmente resolvidos com tranquilidade se tornem verdadeiras tragédias? Um trauma vivido na infância pode ser o motivo em alguns desses casos. O psiquiatra Bruce Perry, da Academia de Trauma Infantil, em Houston, descobriu que o cérebro de crianças que passaram por vivências traumáticas – tais como abuso sexual, conflitos armados ou desastres naturais – podem sofrer alterações químicas, que atingem certas regiões neurais. Em razão disso, essas áreas tornam-se instáveis e supersensíveis a estímulos – o que, na prática, resulta na incapacidade de avaliar de forma adequada certos estímulos sociais e ambientais.


Segundo especialistas, a negligência na infância também é um fator de risco. Se os pais (ou aqueles que cumprem as funções paterna e materna) ignoram, menosprezam ou rejeitam sentimentos, ideias e experiências de uma criança, ela pode “decidir” que as representações dramáticas – desde se vestir de modo provocante até inventar histórias mirabolantes ou ter crises de descontrole – são necessárias para captar a atenção alheia. Com o passar dos anos, a intolerância à frustração e essa forma de se relacionar consigo mesmo e com os outros se tornam arraigadas.


A genética também pode contribuir para a instalação desse quadro. O comportamento exagerado se repete nas famílias, segundo o resultado de um estudo coordenado pelo psiquiatra John Gunderson, da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard. A equipe de pesquisadores descobriu que 27% dos parentes de pacientes com TPB reproduziam em seus relacionamentos padrões muito similares ao da pessoa em tratamento, embora esses aspectos muitas vezes se mostrassem atenuados. Entre aqueles que tinham vínculos familiares com pessoas diagnosticadas com outros transtornos de personalidade, apenas 17% desenvolviam traços do distúrbio borderline. Os fatores ambientais compartilhados – especialmente as práticas parentais observadas e aprendidas pelas crianças – podem desempenhar um papel preponderante nesse padrão. Gunderson acredita, porém, que variações genéticas ainda não descobertas possivelmente também predispõem alguns integrantes da família a dificuldades com relações afetivas e equilíbrio de humor.

Ophelia Austin-Small é jornalista científica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário