quinta-feira, 2 de junho de 2011

Psicologia em tempos de tragédia (2/3)

Da revisa Mente & Cérebro - edição 221 - Junho 2011



por Erane Paladino e José Toufic Thomé

©felipe dana/ap photo/glow images
Casa destruída por deslizamento de terra no Rio de Janeiro, no começo do ano: perda inesperada de vínculos materiais e emocionais
[continuação]

A psicanalista Melanie Klein, seguidora de Freud, chamou esses intensos sentimentos que surgem no bebê nas horas de frustração ou dor de “angústia de aniquilamento ou fragmentação”. Por nascer completamente desprovido de recursos cognitivos para discriminar sensações e perceber o mundo diferenciado de si mesmo, é visível sua vulnerabilidade. A estabilidade emocional depende, portanto, do estabelecimento de matrizes afetivas que contribuam para a conquista de uma vivência apoiada na confiança e numa razoável competência para lidar com os embates da vida. Com olhar antropológico, no texto O mal-estar na civilização, de 1929, Freud argumenta que a espécie humana tem necessidade de leis da civilização justamente porque é frágil. Vivemos em grupo na tentativa de sobreviver às limitações individuais. A estabilidade e a segurança dependem em grande parte do meio e de referenciais construídos com base nos vínculos. Estas marcas estão presentes na memória afetiva e interferem na construção subjetiva. As vivências traumáticas da infância, portanto, certamente trazem consequências e interferem no funcionamento afetivo e psíquico. No caso das catástrofes, a grande questão reside num evento da realidade que incide com tal violência que acaba por romper formas previsíveis de funcionamento mental.


Pensando sobre as especificidades e consequências desses eventos no mundo mental, Benyakar introduziu o conceito fato disruptivo. Ao propor o termo ele se refere a um evento externo capaz de romper a estabilidade psíquica de uma pessoa de forma avassaladora. Dependendo de como essas matrizes estão organizadas, o impacto poderá trazer sequelas inevitáveis, com menor ou maior nível de gravidade. Desamparo, sensação de abandono e perda de referenciais geram sentimentos únicos.


As situações limite “contaminam” a todos – mesmo que não sejam vítimas diretas – pois trazem à realidade uma cena dramática em um nível de destruição com o qual é muito difícil lidar. Por esta razão, espectadores do mundo todo vivem de forma catártica a necessidade de assistir e rever por inúmeras vezes cenas dramáticas de uma catástrofe, mesmo que tenha ocorrido em outro canto do planeta. A assustadora possibilidade de “se tivesse acontecido comigo” gera identificação imediata e denuncia a vulnerabilidade inerente à condição humana. Ao mesmo tempo, cria um mecanismo psicológico que permite projetar a ameaça e a agressividade. Assistir inúmeras vezes a uma imagem catastrófica pode ser a tentativa de elaborar esse conteúdo denso.

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