sexta-feira, 3 de junho de 2011

Psicologia em tempos de tragédia (3/3)


 
Da revista Mente & Cérebro - edição 221 - Junho 2011


Desastres e crimes nos fazem repensar o modo como o ambiente irrompe no psiquismo; é necessário considerar não só o sofrimento e as reações das vítimas, mas também o impacto psicológico sobre aqueles que recebem os efeitos indiretos
por Erane Paladino e José Toufic Thomé
[continuação]

Os profissionais convocados a prestar auxílio nessas situações estão sujeitos às mesmas consequências emocionais. Em meio ao caos, a cegueira diante das imposições da realidade põe em perigo também os profissionais designados para missões de resgate. Como uma defesa perante a ameaça, muitos deles desenvolvem neste momento a necessidade heroica de salvar a todos, na busca de encontrar um poder onipotente que negue ou compense a dor causada por tamanha destruição. Outros reconhecem sua impotência e, posteriormente, podem desenvolver transtornos emocionais como depressão, alcoolismo ou doenças psicossomáticas. É possível observar reações com essas características em funcionários de hospitais, de entidades sociais que atuam com a questão da violência e abandono, de departamentos policiais e do corpo de bombeiros, por exemplo. Por isso, a necessidade de buscar subsídios técnicos e teóricos para dar suporte também aos cuidadores é fundamental.


Neste sentido, só é possível um trabalho que leve em conta modelos transdisciplinares no qual profissionais, representantes de órgãos sociais, do estado e da comunidade pensem juntos em possíveis saídas, considerando limites e possibilidades. É importante lembrar que em casos extremos o equilíbrio psíquico de todos os envolvidos está posto à prova e, muitas vezes, oferecer o máximo nos primeiros instantes restringe-se a ter uma atitude de acolhimento do desespero – de si e do outro. Este procedimento, embora aparentemente simples, resgata uma relação maternal confortadora, presente na memória afetiva. O abandono e o caos despertam a revivência daqueles antigos sentimentos de desamparo e podem abrir feridas emocionais muito primitivas. Nestes momentos, o amparo físico e o silêncio confortador podem sugerir uma presença mais segura de alguém disponível para compartilhar a experiência ainda sem contornos. Aos poucos, a palavra auxiliará na representação da dor. A disponibilidade emocional para suportar a o sofrimento, as lágrimas, o desalento facilita o desenvolvimento da chamada resiliência – conceito original da física associado à propriedade de alguns materiais que lhes permite suportar situações de estresse sem sofrer ruptura. A psicologia e a pedagogia adaptaram essa ideia à capacidade humana de enfrentar problemas e adversidades sem romper a organização emocional de forma irreversível. Esta potencialidade, fruto de referenciais primordiais construídos nos alicerces dos primeiros vínculos afetivos, depende em grande parte dos recursos emocionais de cada um. O maior desafio diante de situações violentas, potencialmente desagregadoras, é o reconhecimento dos limites impostos pela própria vida. Diante do inexorável, a humildade e a solidariedade são grandes aliados para o desespero, parceiro da fragilidade humana. Ao mesmo tempo, só quando reconhecemos nossas limitações, não só como indivíduos mas também como espécie, encontramos no contato com o outro a possibilidade de buscar soluções criativas para contornar a dor, a morte e o desamparo.

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