Cresci com uma visão colorida do campo. Nascido no interior, rico em rios e matas, orientado por um pai que tinha olho clínico para as plantas.
Vivíamos, com irmão e amigos, caminhando pelos campos, apanhando carrapichos nas calças, que nos davam enorme trabalho para retirar com canivetes, sentido o perfume e o delicado sabor do milho-de-grilo, do mel das flores-de-são-joão, cortando vassourinha para limpeza do quintal, taboa, que minha avó usava para tecer assentos das cadeiras, assoprando suas espigas cor de café e as flores das barbas-de-bode, que para longe levavam as sementes.
E, atrás das borboletas, sempre às carreiras, levando broncas: - Deixa o bicho quieto, tem que por a mão, não pode só olhar?
Descalços, não demorava para conseguirmos um espinho nos pés, que retirávamos com maestria, com ajuda de outro, na dura e grossa sola. O espinho que nos feria tinha um irmão que nos socorria.
Meu velho pai, naquela época ainda muito jovem, detestava bicho preso e quadros de borboletas, mas não conseguia nos prender no solto campo.
De vez em quando, o infortúnio do encontro com um pé de urtiga era suficiente para acabar com a farra, e lá íamos atrás de uma mina d’água para refrescar o local, tentando amenizar a coceira da queimadura provocada pelo ácido que esta contém nas folhas.
O sol aquecendo as pedras atraia os lagartos, que adorávamos correr atrás, principalmente o papo-de-vento, que estufava o papo em resposta.
- Cuidado menino, pode ter cobra nas pedras- ralhava o preocupado monitor- sempre nos mostrando plantas, falando de suas aplicações e dos pequenos frutos que podiam ser comidos.
Um encontro com o réptil: - Volta, não chegue perto, é uma coral! Dizia nosso líder preocupado.
É falsa ou verdadeira? – queríamos saber. Diziam que a coral verdadeira tinha a cabeça triangular e a falsa no formato do polegar.
Vendo que a cobra rapidamente se afastara, sob risos ouvimos sua resposta: - Ela foi muito rápida, não deu tempo de perguntar!
Até hoje não sei, era falsa ou verdadeira?
O campo tem suas épocas. As paineiras floridas derrubavam suas flores rosa e meladas, que recolhíamos para a feitura dos xaropes contra tosse – nunca achei que funcionassem.
Ah, seus frutos! Bolotas verdes que com o tempo arrebentavam, expondo um macio “algodão”- fibras finas e brancas – recolhidas com prazer por quem as encontrava no chão.
Antes que os ventos os carregassem, repletos de negras sementes, as derrubávamos com nossos estilingues - conhecidos em outros lugares como funda, setra - devorávamos suas sementes e enchíamos nossos travesseiros. No campo nada se perde.
O homem que lá vive sabe muito sobre sustentabilidade e reciclagem, apenas não sabe que sabe.
Os eucaliptos, generosos, ofereciam graciosamente seu perfume, seus piões para alegria da criançada, abrigo para as aves, sombra para os campos, madeira para as cercas e casas.
Hora de voltar, no caminho uma parada para tomar um pouco das frescas águas que em minas brotavam e pelas pedras escorriam.
- Pega aquela folha, lave bem, fica mais fácil beber assim – nos instruía o mestre.
- Não, vai na mão mesmo! – eram as respostas.
Encharcados ficávamos, mas antes de chegar em casa as roupas estariam secas.
Com água na boca, de lembrar daquele tempo, restam gotas que sustentam a memória!
Auor: Ivan Postigo
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