sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A mente disciplinada


Em seu livro Cinco Mentes para o Futuro, o renomado autor e psicólogo norte-americano Howard Gardner descreve, com profundo conhecimento de causa e fundamentado em pesquisa, os tipos de mentes que as pessoas deverão desenvolver para prosperar no futuro que se avizinha. De fato, segundo o autor, o mundo futuro deverá exigir capacidades que, até agora, tem sido simples opções de acordo com a simpatia e a escolha pessoal de cada um.

Dentre as mentes citadas por ele, disciplinada, sintetizadora, criadora, ética e respeitosa, a mente disciplinada, objeto desse artigo, está relacionada com o domínio das principais escolas de pensamento, incluindo ciências, matemática e história, e pelo menos uma habilidade profissional. Na minha modesta opinião, a mente disciplinada é, de longe, a que mais produz resultados positivos na vida pessoal e profissional do ser humano.

Há mais de 700 anos, a educação profissional, como a que conhecemos hoje, simplesmente não existia. Em termos de divisão de trabalho, estabelecida muito tempo depois por Adam Smith, as pessoas aprendiam seu ofício com pessoas mais velhas, geralmente da mesma família. Não havia muita chance de escolha nem a mínima possibilidade de rebeldia com relação à predestinação dos indivíduos.

Carpinteiros, sapateiros, escultores, pintores, ferreiros, barbeiros etc., geralmente, eram aprendizes de um mestre, a exemplo de Leonardo da Vinci, discípulo de Andrea Del Verrocchio, ou herdavam a profissão dos pais e avós por imposição devendo segui-la até o fim da vida, pois estariam cumprindo a vocação da família. Por determinação da Igreja, somente ministros religiosos assumiam um mecanismo mais formal de seleção, de formação e de acesso à condição de padre.

Durante o período do Renascimento, a educação sofreu uma mudança lenta, porém irreversível e, apesar de ter se desenvolvido sob a égide dos pilares religiosos, tornou-se mais secular. Hoje em dia, a formação religiosa dos professores é praticamente dispensável e os fundamentos religiosos cumprem um papel menos relevante.

Por outro lado, a pregação da moralidade é considerada como seara da família, da comunidade ou do próprio ambiente religioso onde o indivíduo está inserido e deixou de ser responsabilidade da escola e dos professores em geral. Note que, quando essas instituições fracassam, a responsabilidade pela educação moral acaba transferida automaticamente para a escola. Em tese, é mais fácil atribuir a negligência a um culpado qualquer do que os pais assumirem a inabilidade em lidar com os fatos complexos da sociedade contemporânea.

Apesar dos esforços com a melhor das intenções, a maioria das pessoas e das instituições de ensino continua se prendendo basicamente em conteúdos com intuito de acumular na memória o maior número possível de informações, fórmulas, fatos e números. O domínio do processo de aprendizagem como ferramenta de evolução e aproveitamento futuro é pouco levado em consideração. O indivíduo sentirá falta dele mais adiante, porém o ingresso no mercado de trabalho tende a suprir essa lacuna.

Informações como pesos atômicos, ossos do corpo humano, a soma dos quadrados dos catetos igual à soma do quadrado da hipotenusa, datas de início e fim dos principais conflitos mundiais e outros dados menos relevantes se tornaram quase que obrigatórias para quem deseja ingressar no disputado universo do ensino público superior e, posteriormente, nos disputado universo dos cargos públicos.

Estudar história, ciência, matemática ou arte sem entender a exata correlação entre as disciplinas e sem uma forma disciplinada de interpretar essa pilha de informações não passa de conhecimento inerte, de acordo com as palavras do psicólogo americano Alfred North Whitehead. Cada disciplina ensinada nas escolas representa uma forma diferente de interpretar o mundo.

As profissões também são caracterizadas por formas diferentes de pensar e, na melhor das hipóteses, são modeladas tomando-se como referência profissionais qualificados, segundo Gardner. O fato é que durante os anos em que tentamos desesperadamente aprender algo na universidade não são suficientes para retratar a realidade do cotidiano que nos espera fora dela. A vida profissional é muito diferente da vida estudantil. As regras mudam, a complexidade aumenta.

O que significa ser disciplinado? Significa ter hábitos que lhe permitem progressos constantes e, essencialmente, infinitos no domínio de uma determinada habilidade, ofício ou corpo de conhecimento. Em raciocínio mais simplificado, ser disciplinado é manter o hábito inexpugnável de se dedicar e de se aprofundar em determinado assunto, profissão ou atividade com tanto interesse que você passa a se tornar uma referência no assunto.

Há um momento na vida em que tomamos a feliz decisão de abraçar definitivamente uma carreira. O ideal é algo relacionado com a vocação original e que, muito mais do que o simples cumprimento dos deveres, proporcione também alegria, prazer, crescimento profissional e sentido de realização.

Existem várias maneiras para se conquistar uma mente disciplinada, de acordo com Gardner. Para que isso ocorra da forma mais simples e equilibrada possível, cabe estabelecer aqui um paralelo entre o raciocínio de Gardner e alguns os exemplos associados ao universo do trabalho. Você adquire uma mente disciplinada na carreira profissional quando:

    Identifica aspectos verdadeiramente importantes na sua profissão e concentra energia naqueles que merecem sua preocupação;
    Dedica uma quantidade de tempo significativa para estudar esses aspectos a fim de reforçar os pontos fortes e superar os pontos fracos que fazem a diferença no seu desempenho profissional;
    Avalia cada aspecto sob diferentes perspectivas. Qualquer virtude ou postura pode ser interpretada sob ângulos completamente diferentes. Apenas a mente disciplinada tem condições de argumentar e apresentar a solução mais apropriada em situações onde o controle e o equilíbrio são fundamentais;
    Esforça-se para compreender a variedade de representações que se apresentam no ambiente onde a disputa de espaço e a necessidade de reconhecimento tende a provocar mais incertezas do que alegrias;
    Entende que o domínio do conhecimento é um processo longo e sistemático que depende, antes de tudo, de disciplina, persistência e muita dedicação.

As palavras de Ralph Waldo Emerson, o grande pensador americano, encerram a nossa lição de hoje: “Qual é a tarefa mais dura do mundo? Pensar. Entretanto, somos todos sábios. A diferença entre as pessoas não se encontra na sabedoria, mas na habilidade técnica. Cada mente tem seu próprio método e um homem verdadeiro nunca adquire segundo as regras aprendidas no colégio”.

Pense nisso e seja feliz!

Autor: Jerônimo Mendes

Publicado em: 11/08/2011, no site: www.qualidadebrasil.com.br

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