quarta-feira, 3 de novembro de 2010
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NÃO EXISTE.
Publicado em 26-Oct-2010, por Nelson S. Lima
Há certos conceitos que aprendemos e que facilmente se transformam em crenças. E você sabe o poder da crença. Ela não exige comprovação. Como escreveu Ortega "há as ideias que pensamos e as ideias que somos, as crenças". Estas são implícitas, isto é, às vezes nem sabemos que as temos! E isso dá-lhes um poder nuclear pois influenciam a nossa arquitectura pessoal, modos de comportamento e até o nosso destino, muito mais do que os saberes. Finalmente, para não me alongar mais, digo que existem crenças inteligentes e crenças patológicas ou irracionais. E agora vamos ao tema que aqui me trouxe.
Inteligência Emocional versus Inteligência Intrapessoal
Hoje vou escrever sobre algo que se tornou numa crença. Logo, um assunto difícil de abordar. Me refiro à inteligência emocional. Sua crença a transformou num tema que continua a vender bem em cursos, seminários e livros. Ora, em minha opinião, não existe isso de inteligência emocional e é errado dizer que ela significa o mesmo que "inteligência intrapessoal" (defendida, em 1982, por Howard Gardner, o pai das inteligências múltiplas). Na realidade, reconheço a existência de uma faculdade psicológica que podemos designar como inteligência intrapessoal. Não acontece o mesmo com a "emocional", que rejeito em absoluto.
Afinal, porque afirmo que não faz sentido dizer que há uma inteligência emocional e que, por conseguinte, não pode ser objeto de treinamento?
O problema está em que se tentou criar uma impossibilidade. Ninguém consegue desenvolver sua inteligência emocional porque essa inteligência não existe. Como também não existem muitas inteligências que, repentinamente, começaram a surgir em tudo quanto é livro de auto-ajuda: inteligência espiritual, inteligência sexual.....e por aí fora. A razão de tanta imaginação? É um bom negócio que aproveita o fato da inteligência se ter tornado moda nos anos 90 quando Daniel Goleman lançou o livro "Inteligência Emocional" e ele se tornou num best-seller (estava-se então numa época em que havia um preocupante deserto de ideias no campo da psicologia, com excepção da psicologia positiva de que falarei mais tarde). O conceito de inteligência emocional - embora não tivesse sido criado por Goleman - foi por ele reciclado e pegou no mercado editorial. Isso ajudou à sua difusão e aceitação, mesmo entre a comunidade científica (embora o livro não defendesse uma teoria; de fato, ele me parece ainda um livro, bem elaborado e interessante, de auto-ajuda).
Vivemos num mundo em que a curiosidade é uma das mais poderosas motivações para se vender muita coisa. A "inteligência emocional", que tem sido objeto de excelentes campanhas de marketing editorial e educacional, tem vendido muito bem. E de tanto se repetir a mensagem, ela pegou. E pegou sob forma de crença!
Para que serve a inteligência emocional?
Com a inteligência emocional - dizem seus defensores - pretende-se conhecer e regular nossos sentimentos e emoções (através do auto-conhecimento) para que ajustemos nossas atitudes e comportamentos. E, assim, a nova inteligência passou a ser vendida como a "chave para o sucesso na vida"! Foi glorificada como uma "inteligência triunfante", superior em seus poderes ao uso racional da inteligência.
Me recordo até de eu ter dado entrevistas a jornais de economia e negócios sobre a "nova" inteligência e de sua importância na tomada de decisões, inclusivamente na Bolsa! Foi nessa época que percebi que a euforia estava tomando conta do processo. Havia algo de errado.
Ora vejamos. Temos emoções, sensações, sentimentos, paixões. Tudo isto (e muito mais) afetam - naturalmente -nossos comportamentos. Saber ajustá-los a cada desafio e saber valorizá-los com novas aprendizagens é um trabalho que pertence ao domínio da consciência existencial, do auto-conhecimento, do projeto de vida, da auto-motivação, dos valores aprendidos e adotados, e do bom uso da inteligência!
Um cardápio mínimo de emoções nasce connosco (como o medo, por exemplo) e muitas outras são aprendidas (melhor exemplo? A vergonha). Elas afetam nossos comportamentos e vice-versa. Muitas das nossas escolhas na vida são pressionadas por emoções (bom exemplo: o prazer) que depois desencadeiam outras (em nós e nos outros). É um jogo complexo (nós temos mais de 200 tipos de emoções e seus cruzamentos).
Ao contrário, também, do que algumas pessoas pensam, atribuir inteligência às emoções é impossível. Elas são poderosamente biológicas, de raíz animal. Estão muito ligadas ao nosso cérebro "primitivo" se bem que o sistema onde elas são geradas esteja também muito conetado com o cérebro executivo (o da tomada de decisões, do planejamento, do auto-controlo). Sim, eu sei que também há emoções sociais (como o altruismo) e estas se aprendem e são fundamentais para a própria civilização.
A inteligência emocional pretende proporcionar-nos ferramentas para termos comportamentos emocional e socialmente adequados. As emoções, sobretudo as primordiais, muito biológicas, como o medo ou a ira, são "brutas" de mais para se lhes atribuir inteligência. Sob o ponto de vista neuropsicológico, as emoções continuarão independentes da inteligência e sem inteligência (quantas vezes já vimos pessoas cultas, auto-controladas e inteligentes perderem seu domínio emocional de um instante para outro? Muitas, certamente).
Também não há emoções inteligentes!
Mas será que não temos então controlo sobre as emoções? Claro que podemos ter mas....até certo ponto. Para isso torna-se aconselhável "educar" as emoções (o que não é o mesmo que tentar dar-lhes inteligência!), tarefa que começa bem cedo na vida, ainda antes de nascermos. Como assim? Por exemplo, uma mãe pode gerar um filho ansioso, com um sistema emocional altamente sensível. Poderá sofrer, mais tarde, de ataques de pânico. É uma das consequências da gravidez ansiosa.
Não havendo uma "inteligência emocional", o que nos resta? Eu digo: educação emocional. É a educação emocional - onde se incluem a aprendizagem de crenças, atitudes, valores, auto-respeito, senso crítico e outros elementos - que nos vai permitir ter comportamentos inteligentes, equilibrados, pautados por uma forte auto-consciência e também uma vigorosa consciência social. É isso que se chama de "inteligência intrapessoal", o que não é o mesmo que "inteligência emocional".
E na vida adulta, ainda podemos educar nossas emoções? Ou melhor, controlar nossas reações emotivas? A resposta é sim. Podemos aprender a aumentar nosso auto-domínio, aumentar nosso tempo de reflexão antes de agir, aperfeiçoar nosso auto-conhecimento e melhorar nossa capacidade de relacionamento social inteligente, e assim fazermos o uso racional e criador dos sentimentos, do humor e dos restantes estados de alma (emoções, paixões, etc.).
Então eu sugiro que, sobretudo nas atividades de treinamento, se substitua a mensagem de "inteligência emocional" pelo conceito mais seguro, preciso e científico de "inteligência intrapessoal".
Um exemplo: o Síndrome do Pensamento Acelerado
Elevado estresse, pressão arterial perigosa, acidentes vasculares cerebrais, depressão, ansiedade e ataques cardíacos estão entre algumas das consequências mais funestas do Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) - uma moléstia descrita pelo meu querido amigo o psiquiatra Augusto Cury como "um dos males do século XXI".
O excesso e dispersão de atividades, a dificuldade em nos concentrarmos numa matéria de cada vez, as constantes interrupções ao que estamos fazendo (celulares tocando, colegas clamando ajuda, o chefe nos esperando, as reuniões, as entrevistas, etc.) e a multiplicidade de compromissos que vamos guardando em nossa memória de trabalho fazem com que a velocidade de atuação da nossa mente se acelere ao ponto de entrarmos em estado de tensão psíquica e de esgotamento de nossas reservas de energia emocional.
Com os tempos difíceis que estamos atravessando mais o estilo de vida também complexo que a sociedade nos obrigou a adotar, o Síndrome do Pensamento Acelerado encontrou terreno fértil para se reproduzir em nossas casas e em nossos empregos. Problema não menos grave é que esta perturbação prejudica nossa capacidade de tomar decisões, nossa concentração e nossa memória.
Ora é através da "inteligência intrapessoal" que poderemos refrear o SPA e alterar nosso ritmo, nosso estilo de vida e até nosso estilo de trabalhar.
Até breve. E sejam felizes.
Nelson S Lima
Neuropsicólogo Clínico. Doutorado em Investigação Psicológica.
Investigador em Psicologia na EURADEC Alemanha.
Diretor Nacional da EURADEC Reino Unido.
EURADEC (Associação Europeia para o Desenvolvimento da Educação e da Cidadania).
nelsonlima@europe.com
Ceo do Instituto da Inteligência (Portugal, África e América do Sul)
geral@institutodainteligencia.net
Consultor da Universidade do Futuro (Portugal)
www.unifuturo.net
Palestrante em empresas, escolas e universidades.
Fonte: www.gestopole.com.br
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