segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Com quanta tristeza se faz uma depressão? (2/3)



A tristeza perdida, livro dos psiquiatras Allan Horwitz e Jerome Wakefield, critica diagnósticos que ignoram a relação entre os sintomas e o contexto do paciente
por Patricia Porchat
[continuação]

O livro tem o mérito de questionar a classificação atual do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM IV) para transtornos depressivos no momento em que ocorrem as discussões preparatórias para a elaboração do DSM V, previsto para 2013. Trata-se de uma revisão do conceito de depressão no interior da própria psiquiatria. “Uma crítica vinda de quem leva a sério o DSM e por isso é útil e bem recebida”, diz Robert Spitzer, psiquiatra que escreveu o prefácio do livro. Esse comentário é importante, pois uma das poucas críticas que se pode fazer ao livro é quanto ao embate que os autores travam com as ciências sociais, culpando-as por não encontrar mecanismos emocionais universais inerentes à natureza humana e não demonstrar quais circunstâncias estressantes provocam tristeza normal. Criticam a teoria relativista da antropologia que afirma não haver definições possíveis para tristeza e transtorno fora do valor específico de cada cultura. A rigidez dos autores é curiosa, por exigir das ciências sociais que tomem como ponto de partida o mesmo objeto, ou seja, o DSM IV. Essa atitude é de lamentar, pois impede a consideração de outras fontes como, por exemplo, estudos psicanalíticos que igualmente buscaram recuperar a tristeza para o cenário da condição humana, além de questionar a banalização da depressão sem se ater ao DSM IV. É o caso de Elisabeth Roudinesco (Por que psicanálise?, 2000) e Maria Rita Kehl (O tempo e o cão, 2009).

O livro cumpre bem seu objetivo: proporcionar uma perspectiva crítica sobre a conceituação da experiência da depressão, como ela foi explorada por variados grupos e como sua classificação mudou, de forma questionável, com o passar do tempo. Os autores querem demonstrar que a tristeza intensa é uma capacidade natural humana e não uma fraqueza de caráter e que a tristeza é produto de processos mentais relevantes funcionando conforme foram biologicamente projetados para reagir à perda. São problematizadas as vantagens e desvantagens de haver definições demasiado amplas de transtorno depressivo, bem como tratamentos injustificados, medicalização desnecessária e estigmatização.

Da revista Mente & Cérebro n° 211, setembro/2010

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