quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A importância da terceira opinião.



Publicado em 13-Dec-2010, por Paulo Ricardo Silva Ferreira



Aquela pessoa ali fora da quadra passando estratégias ao tenista tem uma visão muito melhor que o atleta. Serve também para o técnico de futebol, em relação ao técnico do nadador, ao líder em apoio a sua equipe. Estamos carecas de saber quanto o sujeito da ação tem um olhar embaçado e o quanto uma visão transversal colabora para montar estratégias vitoriosas. Mas de alguma forma, o técnico do tenista, o técnico de futebol, o técnico do nadador e inclusive o líder, ainda estão submetidos a indicadores, perspectivas e sobre o julgo do próprio envolvimento. Queremos salientar com isso que ouvir a opinião de quem não está envolvido no contexto do próprio problema, de uma dificuldade, de um enigma, pode facilitar uma decisão.
A descoberta da penicilina deu-se em condições muito peculiares, graças a uma seqüência de acontecimentos imprevistos e surpreendentes. No mês de agosto de 1928 Fleming tirou férias e, por esquecimento, deixou algumas placas com culturas de estafilococos sobre a mesa, em lugar de guardá-las na geladeira ou inutilizá-las, como seria natural. Ao retornar ao trabalho, em setembro do mesmo ano, observou que algumas das placas estavam contaminadas com mofo, fato este relativamente freqüente. Colocou-as então, em uma bandeja para limpeza e esterilização com lisol. Neste exato momento entrou no laboratório um seu colega, Dr. Pryce, e lhe perguntou como iam suas pesquisas. Fleming apanhou novamente as placas para explicar alguns detalhes ao seu colega sobre as culturas de estafilococos que estava realizando, quando notou que havia, em uma das placas, um halo transparente em torno do mofo contaminante, o que parecia indicar que aquele fungo produzia uma substância bactericida. O assunto foi discutido entre ambos e Fleming decidiu fazer algumas culturas do fungo para estudo posterior.
A descoberta da Penicilina é ótima para exemplificar que quando nos concedemos a oportunidade de explicar para outra pessoa onde desejamos chegar ou o que estamos tentando resolver, nós somos compelidos a reconstruir o próprio problema. Ao reconstruirmos um problema ou hipótese de uma tomada de decisão, para alguém que não está envolvido diretamente com a situação, para que possamos obter a sua opinião, exercitamos entre outras coisas a reconstrução dos dados, a origem das dúvidas e certezas, os pontos positivos e negativos dos caminhos que podemos tomar, enfim, exercitamos o poder da humildade. O poder da humildade é uma janela ampliada que nos oportuniza ver as coisas e nossas atitudes não apenas como profissionais ou "sabedouros de tudo", mas como seres humanos. A terceira opinião não entra por um ouvido e sai pelo outro, como há ressonância, ela entra em nós e encontra eco.
Nas orientações que damos nos trabalhos de conclusões de cursos de pós-graduação, vencidas as etapas de identificar qual é o problema que o aluno quer pesquisar, as perguntas iniciais são por que desejamos resolver este problema e se esta solução é importante? Etapas que nunca são seguidas pelos orientandos. Todos desejam iniciar pela introdução sem saber o que a introdução é o que desejamos. Costumamos pedir para que seja solicitado a pessoas leigas, que não dominam o tema ler e opinar sobre o trabalho. No início os orientandos ficam decepcionados, mas a contribuição é fantástica. Já imbuídos do poder da humildade podem ouvir e ver outras opiniões como seres humanos e não como alunos de pós-graduação em trabalho de conclusão de curso.
Sabe-se que Freud e Einstein trocaram muitas cartas e confidências, publicadas em alemão, francês e inglês, cuja venda, inclusive, na época foi proibida na Alemanha. Os Princípios de Filosofia de Descartes, ele foi dedicado à princesa palatina Elisabeth, com quem o autor troca importante correspondência. Pela manhã, jogava cartas com lenhadores e homens simples. "À noite, trocava as roupas enlameadas pelos trajes oficiais e se dirigia ao gabinete de trabalho onde lia, escrevia e dizia encontrar-se com os homens da Antigüidade". Foi dessas terceiras opiniões que teríamos um dos livros mais clássicos da história O Príncipe escrito por Maquiavel.
Ouvir e ver realmente uma terceira opinião é o que nos permite o estado de contemplação. Estamos muito velozes e os automóveis velozes perdem a paisagem. Não há descoberta sem contemplação. Os homens e mulheres em contemplação são descobridores. Descobridores porque desvendam, desnudam, desnublam, não tem sossego de desfazer e refazer o novelo quantas vezes for necessário. Contemplar uma opinião é dar ao vazio o preenchimento. Sempre existe um espaço que não utilizamos e ele com certeza, é a nossa corda de salvação, os 110% que deveríamos colocar no nosso dia-a-dia, mas só o injetamos em casos extremos. As inovações de valor estão repletas desse design, desse desenho. Talvez este espaço seja o diferencial de nossas vidas, que nos faz superar expectativas. Superar expectativas com as portas fechadas é solidão, só quando as abrimos é que se dá o milagre da construção.


Paulo Ricardo Silva Ferreira



Publicado no site: www.gestopole.com.br

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