terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Com quanta tristeza se faz uma depressão? (3/3)



A tristeza perdida, livro dos psiquiatras Allan Horwitz e Jerome Wakefield, critica diagnósticos que ignoram a relação entre os sintomas e o contexto do paciente
por Patricia Porchat

Patricia Porchat é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Paulista (Unip).
[continuação]

Horwitz e Wakefield contam como no século XX os sintomas ocuparam a cena na elaboração de métodos estatísticos para fazer diagnósticos. Vários fatores colaboraram para a instalação dessa forma de avaliar a depressão. Por exemplo, razões epidemiológicas: a necessidade de revelar na comunidade os mesmos transtornos mentais que supostamente afetavam os pacientes tratados. Afinal, havia aqueles que não buscavam ajuda médica e só poderiam ser diagnosticados por questionários que chegassem até eles. Isso contribuiu para o surgimento de muitos casos falsos-positivos, já que os questionários eram aplicados por leigos. Outro fator foi o alto índice de suicídio entre jovens americanos. Em 2003, foi constatado que 4 mil crianças e adolescentes se suicidaram, de um total de meio milhão que tentou. Era urgente detectar transtornos depressivos e tratá-los. Mas os autores criticam esse procedimento: haveria que verificar o contexto em que se dá a tentativa de tirar a própria vida afinal, trata-se de uma idade de muitas transformações. A patologização do sofrimento do adolescente lembra a patologização da masturbação infantil na era vitoriana, dizem os autores. Isso nos remete ao filósofo francês Michel Foucault, quando aborda o controle da vida pelo Estado. E ele certamente não levava a sério o DSM IV.

Por fim, os autores são realistas o suficiente para saber que não se mudam critérios diagnósticos com tanta facilidade nos dias de hoje. Há grandes grupos e interesses privados que estão se dando bem com a atual definição de transtorno depressivo. Esse me parece ser mais um motivo para unir esforços entre as várias disciplinas.


Revista Mente & Cérebro n° 211, setembro/2010

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